Definamos hoje,
irmãos meus, a graça inerente à natureza humana e ascendamos os escalões que
levam ao conhecimento da criação do homem.
Parto de um princípio
e digo que o livre arbítrio e o sentimento de responsabilidade das ações são
dados ao homem no estado natural e primitivo.
Digo que a alma
humana os desenvolve à medida que sua luz intelectual se torna mais viva, e
acrescento que esta luz intelectual é própria do espírito.
O espírito é uma
criação de Deus, da qual a alma foi a promotora e a matéria sua expressão.
O
espírito adquire cada vez maior lucidez para desenvolver seu princípio
espiritual e amortecer suas primitivas tendências, inteiramente animais.
O espírito do homem
novo não pode conceber as alegrias espirituais, porém mantém-se, em suas
relações materiais, alheio a toda demonstração de ferocidade, quando traz de
sua precedente habitação instintos brandos e em harmonia com o estado social que
abraça. O espírito do homem novo torna-se delinqüente quando traz de sua
precedente habitação o desejo das demências atrozes e o gosto
pelas lutas furiosas.
O homem novo deve seu
fácil adiantamento ou seu embrutecimento prolongado à intervenção dos espíritos
de que está rodeado e o progresso do mundo encontra-se entravado pelo baixo
nível moral de todos. A Terra deve a seu Criador o justo tributo de seu próprio
progresso e, entretanto, retarda sempre este progresso como se lhe fosse
dificultoso o descobrir a meta e a origem, como se desconfiasse do porvir e
quisesse ignorar o passado.
Todos os homens se
têm ocupado do destino do homem, mas todos lançaram um sombrio olhar de
desalento sobre a sua origem. Eu vou dar-vos algumas noções a respeito de dita
origem, ainda que estas noções sejam acolhidas com o ceticismo próprio da
época, cujo triste resultado moral eu deploro. A criação, irmãos meus, não se
encontra tão acima do alcance de vossa inteligência que não se a possa explicar-vos
com um raciocínio humano.
Ofereço-me, portanto,
a vós, como um filósofo da Terra, como um espírito, cujas investigações se
viram coroadas pelo êxito e chamo para isso vossa atenção. Voltarei a tomar
depois meu nome e meu título; agora não sou senão um amigo vosso, que vem
comunicar-vos as impressões recebidas em regiões mais propícias para a educação
moral e intelectual dos homens. Apresento-me como um professor de belezas
desconhecidas e tomo a palavra com o desejo de iluminar-vos. Estudo há muitos séculos,
adoro o poder divino e alimento com sua luz a lanterna que eu possuo.
Irmãos meus, para que
o quadro da criação seja compreensível para vós é necessário admitir como ponto
de partida: a alma, como faculdade sensitiva; o espírito, como faculdade
pensante; a matéria, como faculdade demonstrativa, no mundo em que habitais.
A alma, como
dependência do princípio vital universal; o espírito, como criação deste princípio
vital; a matéria, como expressão da sensibilidade e da inteligência.
Minhas demonstrações
a respeito do espírito constituirão o tema deste capítulo. É necessário, por
conseguinte, estabelecer uma base para a demonstração e determinar as funções do
espírito, completamente distintas das da alma.
A alma é o princípio
do movimento e das sensações. A alma é o sopro divino que se desliza e se
reanima pela força da matéria, que se alimenta das forças da natureza carnal e
que se extingue com o seu enfraquecimento.
O espírito é uma
dependência da alma e da matéria, no princípio caracteriza-se pela recordação,
que estabelece a personalidade, convertendo-se em uma criatura inteligente,
pelo contínuo desenvolvimento de sua natureza, desenvolvimento inerente à
transformação e emancipação de suas demonstrações exteriores e de seus desejos
íntimos.
Nas raças de
espíritos inferiores a memória está circunscrita a hábitos naturais e a
combinações pueris. Nas raças mais elevadas a memória converte-se na fonte do progresso,
dirigindo sua luz sobre as faltas cometidas no passado.
Nas regiões
inteiramente espirituais a memória tira do passado ensinamentos preciosos para
compreender e fazer compreender o porvir. O espírito converte-se em um
iluminado com respeito aos desígnios de Deus e se eleva sem descanso para as
verdades eternas, cujas profundidades já mediu.
Nas primeiras
manifestações de sua personalidade, o espírito procede como as crianças nos
mundos carnais; caminha com temor e dirige olhares de surpresa sobre tudo o que
ainda não chega a conhecer; harmoniza sons cujo significado ninguém compreende
senão os espíritos de sua categoria; foge da luz, que lho inspira temor, e
acerca-se da chama, que o diverte; presta pouquíssima atenção aos ensinamentos
de sua vida e não o atraem senão os gozos presentes; nada prepara e muito pouco
recorda.
Durante o completo
exercício de suas forças, o espírito torna-se mau por cálculo, de mau que era
pelo ócio ou pelos desordenados desejos de seus instintos materiais. No meio da
luz de seus deveres, o espírito converte-se em delinqüente, olvidando-os para
satisfazer paixões cuja perniciosa influência ele conhece, e a partir desta
degradação moral o espírito cai na perturbação da morte para despertar entre as
angústias da dúvida e nas trevas do erro.
Quando o espírito
humano cai no meio dos gozos bestiais, ainda que sem delinqüir, porém ingrato
para Deus, perde a pureza de sua alma. Engolfado em divagações enfermiças, o
espírito humano perde amiúde, de vista, o verdadeiro objetivo da vida carnal e
sua ciência, tão estimada pelos homens, não lhe proporciona a paz do coração e
a saúde da alma. Que é a alma senão a parte sensível do ser, o direito de
sentir e de respirar, a capacidade de gozar e de sofrer?
O espírito do animal
que vos segue como primeiro depois de vós, homens novos, é incapaz sem dúvida
de arbitrar melhoras e fantasias de comodidades, porém quem impedirá a sua alma
de conhecer a dor, de chorar a separação, de alegrar-se pela maternidade e de
entregar-se às expansões do amor?
O espírito desse
homem novo, ó homens velhos, encontra-se certamente desprovido das faculdades
adquiridas por vós outros no exercício dos dons de Deus; porém sua alma não tem
nenhuma diferença da vossa, quando são iguais as forças morais. Explico-me melhor:
Se vosso espírito, no exercício dos dons de Deus, quero dizer, no caminho dos
gozos e dos conhecimentos adquiridos, deixou vossa natureza humana cheia de
vícios, porque se tenha inclinado ao mal o livre exercício de vossas
faculdades, a alma se ressente deste embrutecimento e permanece inerte na sensação
das alegrias que lhe são inerentes e como que deserdada pelo distribuidor
destas alegrias. O espírito concebe as boas ações e a alma felicita-se por
isto. O espírito descobre a verdadeira energia e a verdadeira justiça,
fortalecendo-se a alma pelo impulso que elas lhe dão. O espírito honra a lei
dos mundos e afasta de sua natureza brutal o gosto pelas infrações dessa lei e
a alma empresta-lhe a sensibilidade de sua essência para harmonizar os preceitos
da lei com o sentimento do benefício e o horror à crueldade. Se o espírito
titubeia em seguir a luz da evolução, a alma sofre e chora.
A alma eleva a voz no
silêncio, na solidão e esta voz chama-se consciência. A alma é a consciência do
espírito, a alma é a elevada expressão da moral, colocada no ser como semente
do porvir.
A alma nos animais
destruidores parece asfixiada pela ferocidade do espírito, mas logo que o
espírito melhora, a alma toma a feição que lhe é própria, quer dizer, que
domina os instintos grosseiros, até onde lhe permite o desenvolvimento da inteligência.
Ela anuncia-se por meio da potência das emoções ternas e pela manifestação de
saciedade dos prazeres corrompidos.
A alma se assenhoreia
da situação quando as faculdades do espírito¹ perdem seu prestígio sobre a
matéria, mas neste caso a marcha humana se debilita e a derrota torna-se
completa por causa da ruptura da trindade, a alma, o cérebro² e o corpo. O
espírito não oferece mais que demonstrações e a dilatação dos órgãos, dos que precisa
por não tê-los mais, os sons do pensamento se desviam como os sons de uma voz
escutada por ouvidos atacados de surdez.
O pensamento é o
labor do espírito, o espírito pensa sempre. O espírito caminha para a frente
pelo engrandecimento de seu pensar. O espírito não perde seu equilíbrio na
loucura senão quando a fraqueza de seu instrumento torna imperfeitas ou nulas suas
manifestações. O espírito agita-se durante a febre porque seu organismo se
encontra enfermo. O espírito perde seu poder de iniciativa na velhice pelo
desgaste de seu meio de manifestação. O espírito também durante a loucura
ilumina com seus relâmpagos, porém depressa se cansa da luta e esta luta
determina o fim da vida corporal. O espírito não se revela na infância porque o
cérebro não tem o desenvolvimento conveniente, do mesmo modo que na velhice o
sentimento da animalidade domina a natureza humana; porém à medida que se
adquirem forças, o espírito³ se evidencia através do nevoeiro que o envolve,
demonstrando seu caráter e suas aptidões. O espírito não permaneceu inativo
depois de sua última etapa em um mundo carnal, mas o estado de torpor produzido
por uma nova emigração tira-lhe a sensação de seu poder, e aí, como em outra
parte, a memória se enfraquece no sentido da manutenção dos decretos de Deus. A
memória da criança e a memória do homem guardam do passado tão-somente as
tendências e os gostos, dos quais a presente existência oferece a prova
inegável. A memória da criança manifesta-se em suas inclinações, a memória do
homem umas vezes ilumina com a luz do gênio sua nova carreira e outras
evidencia faculdades pueris ou alumia sua rota com a luz sinistra de delitos
vergonhosos ou imundas orgias do espírito.
Se em um momento dado
aparecem resplendores da memória do espírito no cérebro humano, o ser se
encontra elevado em um êxtase de poesia no meio de visões de longínquas harmonias;
se são outros os reflexos dessa memória que relampagueia no cérebro, o homem
pode converter-se em um inovador.O poder da memória leva consigo a luz que
ilumina o caminho humano e a sensação do ser no vasto horizonte dos descobrimentos
é uma lembrança confusa dos anteriores esforços de cada um. O homem sente-se
impelido para o progresso pela memória e nada fica perdido para ele, apesar das
interrupções momentâneas de suas forças intelectuais. As privações da inteligência
não levam consigo a anulação de seus esforços e o repouso do espírito nada lhes
tira de sua penetração e de sua atividade futura.
O sentimento das
luzes intelectuais é conseqüência do adiantamento do espírito. A tendência
moral para as belezas da Natureza demonstra a sensibilidade da alma e esta
sensibilidade encontra-se quase sempre associada ao progresso do espírito.
A luta dos instintos
carnais com o princípio espiritual que anima o espírito adiantado é o trabalho
imposto a este espírito. O testemunho de sua vitória assegura-lhe um aumento de
faculdades morais e intelectuais para sua nova peregrinação.
O fracasso repentino
do princípio espiritual na luta, submerge o espírito no estupor, no repouso
humilhante, no enfraquecimento das aspirações divinas, no remorso e no abatimento
da alma.
Não quero acompanhar
em sua expiação aos espíritos que hajam desmerecido de si mesmos, porque o
argumento de minha exposição é alheio à descrição dos tormentos inerentes a
toda culpa, correspondendo-me tão-somente tratar das graças derramadas sobre o
espírito do homem, que tenha permanecido firme no meio da luz alcançada, em
suas anteriores existências.
Tomo o encargo de
provar o elevado ensinamento, da chamada, com propriedade, graça, da graça
outorgada à natureza humana de conhecer sua origem e seu destino, mediante a aprendizagem
de seus deveres e em virtude das manifestações da verdade.
Na natureza humana,
já disse, existem seres novos e seres renovados, espíritos saídos recentemente
do embrutecimento material, sem outro reflexo de luz que os guie a não ser o
instinto da alma, que, dominando o espírito, se encontra por sua vez dominada
pela matéria, espíritos que passaram por esperanças de vida, por sofrimentos de
degradações, por desânimos, por alegrias, por lampejos, por quedas, por êxtases
de felicidade, por tristezas, por glórias, por martírios. Espíritos cujos
sofrimentos foram filhos de seus excessos e aos que o horror da morte os
arrojou no meio do terror e do arrependimento. Espíritos que estão chamados a sustentar
a seus irmãos e a ascender os degraus do poder espiritual. Espíritos fortes
pelo desenvolvimento de sua inteligência. Espíritos dispostos ao bem pelo
desenvolvimento de suas faculdades, preparados para a felicidade por seus
sentimentos de justiça e dominados pelos desejos das investigações.
Fundamento minha
definição sobre a dependência das forças intelectuais da natureza espiritual e
digo que o grau da inteligência é proporcional à extensão dos conhecimentos adquiridos
pelo espírito, nos desenvolvimentos alcançados nas sucessivas existências
temporais e de alianças produtivas, no caminho ascendente das faculdades da
alma e na atividade do elemento divino.
A ciência humana
chegou a demonstrar a influência efetiva das funções do cérebro sobre as
manifestações intelectuais, porém este fato, material para os olhos dos
humanos, guarda dependência com o organismo⁴ espiritual, porquanto, o cérebro não
é mais que o espelho do espírito e o espírito vê-se colocado em um meio que lhe
é favorável para cumprir os decretos de Deus e preencher os fins de sua
criação.
Todos os espíritos
devem descobrir o poder de Deus e a dependência de sua própria natureza. Todos
os espíritos devem estudar a origem e o objeto da existência, porém devem ao
mesmo tempo dominar o instinto natural da matéria para converter esta descoberta
e este domínio no pedestal de sua grandeza espiritual.
Todos os espíritos
humanos, ainda que tenham de permanecer séculos na ignorância, não sairão desta
ignorância senão quando suas tendências carnais⁵ hajam sido finalmente
anuladas, mediante esforços de paciência e provas de pureza em presença da
elevada esperança dos bens faustosos da espiritualidade.
Irmãos meus, no mundo
em que habitais, as influências do círculo de vossas alianças e a cegueira do
espírito não permitem ao pensamento elevar-se até os deliciosos gozos da
espiritualidade. Ele não é capaz de desprender-se dos objetos materiais e
poucas vezes lhe é dado meditar sobre a potência de Deus, sentindo-se em
seguida desviado pelas aparentes contradições recolhidas no mesmo seio da
natureza terrestre; mas a força da graça está aí, a luz de Deus fende as
trevas, a vontade do espírito despedaça o jugo que o aprisiona. Então, o espírito
humano, pobre ainda, porém resolvido a conquistar seu engrandecimento, rasga o
véu que lhe esconde a adorável imagem de Deus.
Oh divina natureza da
alma! Atira teus laços e tuas doçuras sobre o caminho do homem, no meio das
tribulações materiais, e concede os dons da ciência aos que te reconhecem como
elemento de vida e de felicidade! Sê a alegria dos crentes e provoca entre eles
as idéias de reformas, apura seus gostos, amplia seus pensamentos e
procura-lhes honras de alta moralidade! Faze baixar entre as sombras das
paixões a tranqüila claridade, acalma a febre das paixões, destrói as causas do
delito, aplicando a todos os males o bálsamo da palavra celeste! Converte-te em
consolo dos justos, mas dá também aviso aos pecadores e faze a luz na noite de seus
espíritos! Bela e santa poesia da alma! Domina as humilhações da matéria carnal
e converte-te na fonte dos melhoramentos do espírito humano! Irmãos meus, a
dependência do espírito humano, da natureza espiritual da alma é a base do pensamento
eterno de Deus para converter as criaturas no objeto de seu amor. O princípio
da religião universal descansa sobre esta base, que vos demonstra o homem em
seu porvir, livre do jugo dos vícios da natureza carnal e resplandecente dos
atributos da alma, cuja natureza é divina.
Afasto de meu
pensamento a lembrança do embrutecimento do homem e apresento a seus olhos o desenvolvimento
futuro de sua natureza espiritual, colocando como princípio o indicado
resultado dos esforços do ser e da multiplicidade de conhecimentos adquiridos.
Mas devo deduzir de tudo o que disse que os esforços do trabalho e a
multiplicidade das luzes determinam o adiantamento do espírito e descrevem o círculo
de suas atribuições no eterno pensamento divino. Aparto de minha natureza o
quadro dos humilhantes erros do espírito humano, porém aspiro à sua regeneração
e esta aspiração chegará a ser uma realidade.
Desvio a vista dos hábitos monstruosos, dos negócios desonrosos, das
prepotências, dos delitos, dos horrores, das corrupções e vejo no fundo do céu
de minha alma, desenvolvimentos, mudanças, elevações, honras e forças para conquistar
o poder espiritual.
Retardados para com
sua natureza espiritual, os homens convertem-se em fratricidas e ímpios:
voltados à felicidade que proporciona a memória da alma, compreenderão o
destino de seus espíritos e a justiça da carga que constitui as provas da vida corporal.
Saberão harmonizar as potências do impulso carnal, com a solidez dos preceitos
da ordem superior, colherão o doce fruto da oração, quando esta oração seja
dirigida ao Criador do Universo, cujas obras serão respeitadas e observadas
suas leis.
Todos colaborarão nos
propósitos divinos quando se entreguem ao trabalho reconhecendo-o como a causa
do aumento da força e da inteligência, que nos aproximam a Deus. Os homens encontram-se
afastados de Deus. Os espíritos da Terra são inferiores como famílias e como
individualidades. A elevada expressão da inteligência divina encontra-os frios
e céticos, o desenvolvimento de seu órgão auditivo não está em relação com as
harmonias da graça, de cujos dons estão rodeados, e a pureza do elemento
espiritual fá-os parecerem larvas que se arrastam por cima das carnes
putrefatas de um cadáver. Mas, já o dissemos, a graça da força está ali... a
luz de Deus penetra através das trevas, a vontade do espírito despedaça o jugo
que aprisiona, e portanto o espírito humano, pobre ainda, porém resolvido a
engrandecer-se, rasga o véu que lhe esconde a adorável imagem de Deus. O fim dos
espíritos é progredir e pouco lhes importa a natureza dos obstáculos que os
rodeiam. Que pode importar-lhes as ambições mesquinhas de sua passagem
momentânea na vida material? A desproporção dos avanços intelectuais com
relação à idéia da verdadeira justiça e das elevadas graças, que por todas as partes
os rodeiam, há de desaparecer por efeito da vontade e há de evidenciar-se a
natureza espiritual quando se apagar a materialidade sob o império de maiores
progressos e de alianças mais nobres em manifestações da alma.
Os espíritos da Terra
encontram-se afastados de Deus por causa da inferioridade de sua natureza que
os submete a leis monstruosas de impiedade e a costumes de bárbaros gozos.
Porém espíritos de mais elevada natureza vêm emancipar o pensamento e ampliar o
critério dos espíritos da Terra e com freqüência lhes são concedidas forças de
luzes especiais que lhes permitem, mediante auxílios de natureza intermediária,
poder sustentar-se no meio desses espíritos atrasados no meio do ambiente
escuro e do sofrimento da Humanidade.
Pobres espíritos terrestres!
Humilhai-vos perante a ciência dos delegados de Deus, para abreviar o caminho
para vossa espiritualidade. Permanecei na expectativa dos bens futuros, caminhando
de uma maneira altiva e consciente em meio das paixões e dos males da
Humanidade, para reprimir as tendências perniciosas de vossa
natureza e para aliviar aos mais miseráveis entre vós. Aprendei a conhecer a
finalidade de vossa existência e prossegui o trabalho de vossa regeneração,
apesar da pressão que o espírito deve suportar por efeito da luta e da
indiferença dos homens entregues aos gozos e ao orgulho. Buscai auxílio e consolos
na fonte da Divindade e aliviai o fardo das dores próprias da natureza corporal
com o emprego das forças da natureza espiritual.
Sim, irmãos meus, é
realmente Jesus quem vos fala, mas a alegria intelectual derivada das
manifestações de seu espírito não pode ser concedida senão aos que tenham
começado a tarefa de sua purificação, o trabalho de sua desmaterialização, aos
que tenham entrado já pelo caminho das reformas de sua própria natureza animal
e pelo das lutas contra si mesmo, contra todas as paixões desorganizadoras da
alma, contra todos os vícios que fazem o espírito baixar ao nível dos brutos,
contra a ambição dos bens terrestres, contra a faculdade pensante que fomenta
tão somente culpáveis ficções, más doutrinas, delírios de imaginação dignos de
lástima, falsos estudos filosóficos, tristes soluções, desprezíveis negações da
existência de Deus.
Descobri vossos
destinos, irmãos meus, na manifestação espiritual. Praticai excursões ao centro
da luz e libertai vossas almas dos laços que as oprimem. Permanecei defensores
do livre pensamento, ó vós que desejais a emancipação do espírito! Porém fazei
participar da discussão o grande nome de Deus e inclinai-vos perante os
testemunhos de seu poder e de seu amor. Acumulai tesouros de ciência, porém
lembrai-vos que sem a devida participação do espírito não existem verdadeiros
triunfos para o homem e abandonai o tolo orgulho e o insolente desprezo das naturezas
inferiores pelo que sabem e pelo que não sabem, por não conseguirem percebê-lo.
Influí em favor da
educação geral das massas e empregai vossas faculdades para o bem geral.
Arrebanhai crentes para a religião universal, fazendo-vos seus apóstolos. Ela
quer a fraternidade entre os homens e a devoção para com Deus. Buscai o elemento
divino em sua pureza e a paz no mundo, relacionai o amor da família com o
amor entre todos os espíritos, aproximai-vos à habitação humilde, do mesmo modo
que à faustosa morada, e explicai o porquê do rigor das provas a par da
abundância dos dons; o porquê da grandeza das idéias a par da desnudez do espírito,
do caminho das honras a par do estacionamento das faculdades, da posse de
grandes inteligências a par do desenvolvimento puramente vegetativo do homem em
suas fases de crescimento e de pausa.
Humilhai a natureza
carnal no que ela tem de bestial. Destruí a vergonha no matrimônio
substituindo-a pela sinceridade e a delicadeza do amor. Fugi da glória adornada
de sangue, das alegrias compradas com o preço da desonra, dos vapores da
embriaguez e das tentações da carne.
Fazei que desçam
sobre vós as forças da pátria celeste, pedindo-as com o fervor de uma alma
cheia de esperança e orai, como oram os anjos, sem vestígios de fraqueza e com a
abnegação das grandes almas.
Empregai no
cumprimento das leis humanas a força demonstrativa do espírito, que luta contra
a sensibilidade da alma, porém deixai que a alma fale para dar provas de
fraternidade.
Castigai o
assassinato, porém jamais mateis o assassino: o direito de morte só a Deus
pertence.
Fazei repousar a lei
humana sobre a lei divina e levantai o culpado depois da expiação para
induzi-lo a seguir o caminho da reabilitação e da liberdade.
Despojai o homem
velho de todas as suas velharias, rejuvenescendo-o em todo sentido, e escrevei
sobre o seu rejuvenescimento esta máxima religiosa, humanitária e fundamental:
Deus para todos e cada homem para seus irmãos.
Dizei a todos os
espíritos que a graça adquire-se pelo bom emprego de todas as faculdades e
ponde em execução, para a regeneração social, a penosa, porém gloriosa
atividade dos nobres filhos de Deus, dos inteligentes e dos fortes mandados em
auxílio dos ignorantes e dos fracos.
Então, irmãos meus,
Jesus não vos parecerá mais tão distante de vós e as manifestações de seu
espírito enraizarão as convicções nos vossos, assim como a doce piedade de sua
alma atrairá os entusiasmos de vossos corações.
Despeço-me de vós,
irmãos meus, até ver-nos no nono capítulo desta história.
Sexta-feira Santa —
19 de abril de 1878
Honremos a memória de
minha morte corporal e afirmemos novamente que Deus é de tal sorte superior à Humanidade
que não poderá misturar-se materialmente com ela. Insisto sem cessar sobre esta
falsa direção impressa às cousas pelo espírito humano, porque transtornou o bom
sentido de homens levados para o sentimento religioso e porque deu em resultado
ser uma fonte inesgotável de impiedade e de delitos.
Jamais Jesus
pretendeu passar por Deus e os milagres que se lhe atribuem são uma pura
invenção.
“Eu sou o filho de Deus, dizia
ele, mas todos os homens devem
preparar
a elevação de seu espírito até atingir a honra espiritual que
é
atualmente uma glória para mim.
“Sou o filho de Deus, mas mereci
este título com minhas obras e a
família humana conta com
trabalhadores, que assim como eu
empregarão
esforços para alcançar uma pátria mais formosa.
“Meu lugar não é aqui, mas vim
até vós para trazer-vos a luz e a boa
nova.
“Voltarei ainda, porque muitos
que não podem compreender-me
agora,
me compreenderão mais tarde, pois minha missão divina não
tem
termo, porque representa o amor de Deus para com todos os
homens.
“Sou filho de Deus, mas, acatando
vós outros minha superioridade,
não
rompeis os laços de irmandade que nos ligam.
“Todos os homens são irmãos; os
fortes têm que prestar seu apoio
aos
mais fracos; os instruídos têm a obrigação de ensinar a moral e a
lei
divina; os ricos têm o dever de fazer participar os pobres de suas
riquezas.
“Muitos entre vós verão o reino
de Deus, porque o homem torna a
nascer para cumprir seu
destino. Todo o que tenha vivido tornará a
viver,
pois a morte só tem domínio sobre a carne.”
A doutrina de Jesus
demonstrava o caráter imutável de Deus e a perfectibilidade dos seres mediante
suas transformações, através da matéria e de suas estadas nas moradas
espirituais adaptadas aos seus sucessivos estados de desenvolvimento moral.
O caráter imutável de
Deus determina a inviolabilidade de suas leis. A perfectibilidade do espírito
criado é uma prova do amor e da inteligência do Espírito Criador.
A fraternidade
deduz-se da doutrina de Jesus. Compreende não só a aliança dos espíritos de um
mundo, senão também a aliança dos espíritos de todos os mundos.
A morte corporal não
enfraqueceu em nada o amor de Jesus para com a humanidade terrestre, e responde
aos infelizes que o imploram, explicando-lhes os erros religiosos e a causa de seus
sofrimentos.
Deus, cheio de
misericórdia para o pecador, permitiu que eu aqui me manifeste ostensivamente e
a graça renovada constitui uma promessa de novas graças.
NOTA (do original) — A manifestação da
sexta-feira Santa de 1878 foi transcrita para aqui porque afirma a não
divindade de Jesus, de acordo com o igualmente estabelecido na narração inteira
de sua vida; constitui isto mais um laço de continuidade do que uma sanção.
Mais tarde se entenderá.
¹ Pensa dizer sem dúvida a razão,
porquanto o desequilíbrio entre ela e o sentimento traz o que em seguida diz: a
paralisação do progresso humano por falta de harmonia entre o coração e o
cérebro, quer dizer, entre o sentimento e a inteligência e o meio de sua realização
no mundo, que é o corpo. — Nota do Sr. Rebaudi.
² Pensa dizer sem dúvida a
inteligência. — Nota do Sr. Rebaudi.
³ Se bem observarmos, de tudo o que
está dito se deduz que o princípio volitivo, sensitivo e pensante tem sua base
e seu ponto de partida na alma, porém é o espírito quem no-lo manifesta. Isto
ficaria esclarecido com a doutrina outras vezes manifestada pelo Mestre, de que
o espírito é a personalidade, constituída pela alma e pelo perispírito. — Nota
do Sr. Rebaudi.
⁴ Os espiritistas crêem que os
espíritos, mediante o perispírito, têm uma forma real que os individualiza e
lhes serve para suas relações. Os modernos espiritualistas levam além sua crença,
acreditam que o espírito é dotado de um verdadeiro organismo de natureza apropriada
ao meio em que deve atuar. — Nota do Sr. Rebaudi.
Allan Kardec, na introdução ao estudo
da Doutrina Espírita, diz o seguinte: “O laço, ou perispírito, que prende ao
corpo o Espírito, é uma espécie de envoltório semi-material. A morte é a
destruição do invólucro mais grosseiro. O Espírito conserva o segundo, que lhe
constitui um corpo etéreo, invisível para nós no estado normal, mas que pode
tornar-se acidentalmente visível e mesmo tangível, como sucede ao fenômeno das
aparições” (Livro dos Espíritos).
⁵ Estas tendências, sempre que não sejam
viciosas, são inerentes à natureza animal do homem e asseguram a persistência
da espécie, posto que seja todavia um instinto, apenas depurado, o que preside
à formação da família pela atração sexual inconsciente. Se a teoria do amor
livre é uma teoria, mais que imoral, bestial, a constituição da família é mais
uma necessidade social que uma virtude. Assim também é só o nosso atraso o que
nos faz considerar o amor materno como o mais sublime dos sentimentos,
conquanto seja tão somente filho da relação carnal que medeia entre os pais e
os filhos. Esse amor seria verdadeiramente sublime se a mulher mãe o
manifestasse para crianças que não fossem seus filhos, como às vezes acontece.
Quanto às tendências carnais, são inerentes ao grau de evolução em que nos
encontramos. Um grau superior talvez dê o resultado de ele não precisar mais da
reencarnação, porquanto o perispírito precisaria da materialidade suficiente para
se poder relacionar com o plano físico. — Nota do Sr. Rebaudi.
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