Pedi, sobre todas as
cousas, estas três: fé, humildade e caridade. Assim vos disse, queridos irmãos
meus, e também vos havia dito já que a fé transporta montanhas e é deste poder
da fé que pretendo falar-vos agora. Mas deve-se compreender qual há de ser a
fé, não a que se encerra somente em crer as cousas, que foram ditas em nome do
Pai e por quem do Pai havia recebido mandato para que as ensinasse e
divulgasse, mas a fé que é de Deus e que em nome dele há de ser recebida,
aquela que para Deus eleva em essência os espíritos e não em palavras. Crer na palavra
que de Deus vem, muito é já, mas elevar-se até ela, bebendo seus preceitos como
a própria essência do próprio ser, muito mais é; e quando por meio dessa fé se
vêem as cousas de Deus com tanta clareza como por meio dos olhos do corpo as cousas
do mundo, e quando nessa fé vive o espírito vida de luz e o invade, nela e por
ela, intenso calor de amor e de sentimento puro da verdade e do desejo de
justiça, de maneira que essa fé, por si tão intensa que com a própria essência
do Pai nos confunde, porque até ele nos eleva, participantes nos faz dos
divinos atributos e proporciona-nos tudo o que em Deus existe até onde a intensidade
e a pureza de nossa fé alcança.
Em grande erro estão
pois os que ensinam que a fé unicamente se encerra na crença do que não se viu,
porquanto mau e bom se viu e não se viu, pois que até a verdade e até o amor,
não em crença, mas sim em sentimento, faz-nos levantar a fé, sim, certamente esta
fé há de ser a fé. Se tão simples cousa fosse a fé, que bastasse fechar os
olhos e dizer sim do que não se viu, para estar nela, que justiça teria havido
no Pai ao premiá-la de vida eterna, se dito foi em seu nome que as portas do
céu sofrem violência e somente os violentos entram por elas? Deve-se entender
que a violência há de ser contra as nossas próprias paixões e não materialmente
contra as portas do céu que não as tem, porquanto a casa de meu Pai é o que chamado
foi o firmamento, e não tem limites; sem portas é portanto.
A fé transporta
montanhas, também foi dito; ensinando com isto o grande impulso que em si mesma
encerra a fé, e sendo assim, que de maior pode opor-se-lhe? — É pois a virtude suprema,
porque as encerra a todas e vem depois de todas, mas há de ser tal como eu vos
ensinei, fé que percorreu já vitoriosa a encosta da montanha, chegando ao seu
cume e dominando do alto o que está abaixo do ser, em apetites desordenados, em
aspirações de uma materialidade sem horizontes.
Que todas as gentes,
ou senão todas, muitas dentre elas procurassem arrimar-se ao Messias porque
tinham fé, que saísse dele virtude que os curasse de suas enfermidades, certo
foi muitas vezes, e certo também chegou a ser em mais de uma ocasião que fizera
sua fé o milagre de que iam em busca junto ao Messias. Portanto foi dito por
ele muitas vezes: tua fé te salvou; quis dizer porventura, a minha fé te
salvou? — Assim, quando dito foi “a fé transporta montanhas”, é porque
grandes cousas foram e são obtidas por virtude da fé, porque nada chega até
onde ela chega; e quando vós tiverdes fé igual à do Filho de Deus, igual a ele
vos vereis; tanto é grande a fé que por ela somente tão alto ascendereis. Mas
tende isto por certo, que semelhante fé, que até o Pai alcança, tão-somente
espíritos do Senhor, os que anjos foram chamados, têm-na conseguido, porque
muito viveram, muito caminharam, muito sofreram, muito aprenderam e só no bem pensam
e para o bem obram. Tão-somente eles, porém nenhum homem até agora, compreendem
a fé, e a têm como a que aqui se entende e a que pode fazer milagres, ou o que
assim chamais, como agora também pode fazê-los, e os faz. Nunca Jesus os fez.
Quando se disse que
só pela fé sereis salvos, deste modo entendeu-se que devia de ser a fé;¹ mas vós mesmos que
recebeis o que estou dizendo não o entendeis, porque se o entendêsseis mais elevados
estaríeis, compreendendo o que excede da crença à fé e dessa fé, de que todavia
sois capazes, até à fé de que agora vos falo.
¹ Bem entendido, isto significa que
somente por nosso próprio progresso havemos de ser salvos, posto que unicamente
ele nos há de elevar para a verdade e para o bem, até o infinito, quer dizer,
até Deus. Eu disse muitas vezes que ninguém pode crer o que quer, senão o que
pode, querendo significar com isto que a Fé é tanto mais elevada quanto mais elevado
é o ser que a possui. Resulta, como se vê, um grave erro o dos católicos que pretendem
opor o cristianismo à ciência, porquanto é ele precisamente o que mais propende
à ciência verdadeira, porém não à que freqüentemente o atraso humano pretende
impor como ciência e que é conseqüência de falsas miragens, devidas aos pontos
de vista errôneos de que costuma partir por seu materialismo, não já pela
observação severa e experimentação conscienciosa, senão por meios primitivos e
antigas preocupações dos que alcançam compreender o que podem ver e tocar. Este
superficialismo e falso critério de observação é o que tem conduzido para o
materialismo muitas mentes pouco profundas, demasiado amigas de detalhes e
escravas das aparências. — Nota do Sr. Rebaudi.
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