Cafarnaum, da tribo
de Nephtali, sobre a costa do Mar de Tiberíades, ou também Genezareth, onde me
foi dado encontrar meus primeiros discípulos no Senhor, foi também a pedra
primeira do edifício de meus trabalhos na fé daquele que me enviou. As gentes
simples e ignorantes, mais dadas às ocupações em proveito do corpo que do
espírito, entregues estavam ao mercantilismo de seus afazeres para conseguirem
bens terrenos, e as palavras do Messias saído das mesmas terras na Judéia, mais
faziam ruído em seus ouvidos que entretenimento eficaz para o bem de seus espíritos.
Foi-me possível, não obstante, estabelecer alianças dos sentimentos dos que
escutavam minha palavra, entre os rudes pescadores do lugar principalmente, com
os propósitos de minha sementeira na fé do Pai e no amor que dele vem.
Depois da larga
estada em Jerusalém que minha educação exigira, meus ensinamentos, levados mais
além do território da Judéia, se certamente encontraram acolhimento de afeição
e reconhecimento, apenas recolheram elementos para a obra futura; não ganhou aí
em alianças nem meios para o cumprimento do que o motivara, a vinda à Terra do
Filho de Deus e o que devia ter repercussão em todos os âmbitos do mundo.
Mas os propósitos do Messias
chegaram a formas melhor definidas e fizeram-se mais apropriados ao objetivo
proposto, conseguindo também firmar-se melhor em seu espírito, pela afabilidade
com que ele se viu acolhido, escutado e atendido; sem dúvida mais amado que compreendido
era justamente o que os secretos desígnios de Deus lhe haviam preparado nessas
terras distantes, como para a conservação, por sua lembrança mais tarde, do
valor que o devia acompanhar na empresa de tanta transcendência para a qual destinado
era. Na mesma Cafarnaum não podia encontrar sua verdadeira base meu apostolado,
cujas raízes em Jerusalém tão somente haviam de achar-se, para dar nascimento,
no porvir, à árvore frondosa de minhas doutrinas, sob cuja sombra benéfica se haviam
de acolher as gerações futuras, saboreando seus doces frutos de amor e de
verdade.
Havia-me sentido, não
obstante, débil no grande centro da Cidade Santa, débil pelas insídias do
fanatismo, pelas prevenções do clero, que em repetidas ocasiões havia levantado
desconfianças e resistências contra mim; entretanto via-me quase órfão de elementos
de valor que me apoiassem.
Meus primeiros passos
tinham sido, no entanto, afortunados e as vezes que fizera ouvir minha palavra
no templo foi sempre com vantagem para as novas doutrinas. Mas assim também
aumentou contra mim a mal dissimulada cólera dos sacerdotes. Isto foi
justamente o que afastado me teve por algum tempo de Jerusalém, andando por Damasco,
Tiro, Sidon e outras cidades distantes, onde certamente muito melhor se vira
Jesus acolhido que nas terras de seu próprio nascimento. Mas, ainda que seguido
e agasalhado, não foi daí, senão recentemente de Cafarnaum, de onde a doutrina
do Messias começou a tomar realmente corpo, dando expansão ao que já de Jerusalém
trazia, principalmente no que, como conjunto de ensinamento, se podia
compreender.
No tempo de minha
educação em Jerusalém também no que se refere ao alívio dos males do corpo
havia-me ocupado, porque as ciências, então ainda em sua infância, todas
estavam reunidas, e assim também dos ensinamentos da Cabala, muito tinha
aprendido para tudo o que havia de ser em benefício do povo; tudo o que tinha
contribuído para o prestígio da fé como que me iam envolvendo. Essa fé pôde bem
fazer milagres, porquanto já dito está que a fé transporta montanhas, mas se
certamente algumas curas inesperadas, porque julgavam-se enfermos incuráveis,
cercaram o Filho de Deus da admiração e quase até da adoração de alguns homens
excessivamente entusiastas, não menos certamente vos asseguro que tais cousas
não foram filhas de uma virtude especial do Messias, que o tornasse superior
aos demais homens neste caso, mas sim quanto à atmosfera benéfica que a seu
derredor espalha todo espírito puro e desejoso do bem de seus semelhantes. Isto
é justamente o que aproveitado foi por meu discípulo predileto para erigir ao
Filho de Deus o culto que só a Deus mesmo é devido.
Irmãos meus, filhos
meus, amigos meus, pelo grande amor que vos professo e pela ternura dos
sentimentos que me inspira a desgraçada situação vossa, peço-vos que isto
compreendais de uma vez para sempre: “Que um só é o Deus criador do Universo
e a fonte de todo o poder, de toda a grandeza, de todo o saber, de todo o amor
e de toda a justiça. Só a ele portanto toda a adoração deve ser consagrada. Só
dele todo o bem havemos de esperar. Só nele a pureza de nossa fé há de
descansar. Tão-só para seu excelso trono nossas orações devem se elevar e de
suas mãos tão-somente hão de baixar sobre a Terra todos os dons que hão de elevar
até o céu todos os seus filhos”.
Crede, pois, na
palavra desse Deus único, que pela boca de seu filho vos diz:
“Tende fé no porvir
da alma, porquanto para todos os homens, ela há de chegar até à cúspide da
montanha, cuja encosta destinados estais a subir penosamente. Mas o passo com
firmeza dado antes de vós por aquele que haveis chamado O Mestre, vos sirva de
guia, de ensinamento e de amparo para vossos próprios passos, que atrás dele
hão de ser dados, se diretamente e com presteza ao fim quereis chegar.
“Desprendei-vos de
vossas paixões, colocai-vos acima dos vossos desejos imoderados e contrários
aos interesses de vossa alma, que é do único de que deveis cuidar. Mova-vos em
vossos atos mais o amor por vossos semelhantes que o interesse por vossas
pessoas. Tende como bem certo que quanto por vosso próximo fizerdes, centuplicado
vos será devolvido por meu Pai que está nos céus.
“A alma sopro é que
de Deus vem e o que de Deus vem, eterno é como a mesma essência de que saiu.
Mas só é a essência aquilo que de tão alto recebeu, porque tudo o que mais
tarde há de conseguir do que em seu caminho encontre há de consegui-lo com
paciência e trabalho.
Tão-somente o amor é
viático que as jornadas abrevia e que forças dá ao homem para com maior
presteza os maiores obstáculos vencer. Portanto, quanto mais ameis mais
próximos vos encontrareis da libertação da vossa alma, das cadeias que a
sujeitam à maldade e ao vício, que dificultam a emancipação da alma, pela
cegueira que vos produz e pelo domínio que sobre vós têm estabelecido. Por isso
assim foi dito, e bem o foi: Ama a Deus sobre todas as cousas e a teu próximo
como a ti mesmo, estes são os profetas e os mandamentos”.
Com estas palavras de
amor, amorosamente me despeço hoje de vós.
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