Muito numerosas têm
sido já as vezes que Jesus se tem comunicado com os homens nesta sua nova
aproximação até vós, porém quase sempre seus ensinamentos têm sido desestimados
por encontrarem-se freqüentemente em oposição com o que se atribui como tendo
sido dito por ele, segundo o testemunho dos Evangelhos e, pior ainda, de acordo
com a interpretação caprichosa que desses mesmos escritos faz o clero atual,
sendo, portanto, um obstáculo para que não chegue até vós sua verdadeira palavra,
como já antes o foi para dificultar sua predicação até sacrificá-lo cruelmente.
Pouca cousa significa que o clero atual obedeça a diferente culto que o da
Judéia, porque sempre clero é no fundo, o que quer dizer que se trata de uma
associação de homens interessados na conservação do que lhes confiaram como cabedal
comum; esse cabedal é o que lhes deram como “a revelação”, interpretada
e ensinada na forma que pôde ser a mais acertada segundo os tempos e os meios
de que antes se dispunha, porém que os novos dados trazidos pela investigação e
a luz sempre em aumento no mundo, a colocam em condições desfavoráveis em
frente de todas aquelas verdades que o mesmo homem descobriu por seus próprios
meios. Vem então o dogma, isto é, a obrigação de crer, sob penas severíssimas,
em tudo quanto o clero veio ensinando como “a verdade revelada”.
É o cabedal de sua
própria existência o que eles defendem assim, porquanto a menor concessão que
fizessem ao progresso das idéias, reconhecendo em parte, ainda que mínima, os
erros de sua Igreja, bastaria para a perda total de seu prestígio, pois o pedestal
de sua infalibilidade se teria despedaçado em mil fragmentos. Isto quer
dizer que muito diferente cousa resultam a ser a religião e o clero. A
verdadeira religião vem de Deus, o culto do clero é no fundo filho dos
interesses do mesmo clero e por isso a única revelação admitida é a que não se
opõe a esses mesmos interesses, interesses freqüentemente confundidos também
com as doutrinas e até em doutrina convertidos. Mas não acrediteis que significa
isto o desconhecimento da sinceridade com que muitos do clero procedem,
não, pois muitas vezes choro ante as torturas que em si mesmo sofrem muitos
corações puros que entendem como a maior necessidade seu submetimento ao dogma,
que, não obstante, repele sua consciência.
A igreja católica,
que rapidamente substituiu até os singelos ensinamentos de Jesus, resultado foi
de alianças do espírito velho com o espírito novo e seu culto foi antes uma adaptação
do culto idólatra dos gregos e dos romanos principalmente que das idéias
chegadas da Judéia. A obra dos nazarenos que não admitiam nenhuma representação
mundana das cousas celestes, ficou portanto quase anulada, detrás das práticas formulistas
das religiões dos gentios. Estas alianças foram em seu tempo mais que uma
trégua benéfica no meio da luta cruel entre a religião do Estado, que pretendeu
imperar pelo sangue e o fogo, e as doutrinas estrangeiras que lhe opunham a
resistência passiva da humildade, da resignação, do perdão e de devolver bem
por mal, que foram em seu tempo um sensível progresso nas idéias religiosas dos
pagãos que, sob um nome novo e com alterações pouco profundas de seus ritos,
ganharam tudo o que dos ensinamentos do Messias vedes no catolicismo.
Certamente, são estas cousas muito complexas para encontrar solução em tão singelas
palavras, mas crede-me que isto comporta o essencial no acontecido. Posso
também assegurar-vos que os melhores espíritos dentre os que povoam vossa Terra
rodearam a nova bandeira, emprestando todo seu decidido apoio às doutrinas que
cobiçava.
Foi portanto o
cristianismo, que não se chamou assim a princípio, um grande progresso para os
povos do Ocidente porque era um convite enérgico contra as práticas e leis de
favor para com os poderosos e de opressão contra os deserdados, práticas que acostumavam
o homem ao egoísmo, à injustiça e à prepotência, envolvendo-o ao mesmo tempo em
idéias e em sentimentos despidos de toda a elevação e somente cheios desse
apreço de si mesmo que é próprio dos néscios e dos cegos à luz que do céu baixa
sempre para os homens de boa vontade, que são humildes, porque vêem-se pobres
de tudo o que unicamente pela graça lhes é dado. O homem cordato não deve
portanto ignorar o seu nenhum valor e que somente a humildade lhe abre os olhos
para ver, com certeza, o caminho que há de seguir e o trabalho que há de fazer para
seu melhor merecimento nas cousas que de Deus vêm e que para Deus conduzem,
pelo adiantamento do espírito.
Longe estamos, na
verdade, dos ensinamentos e da influência trazida pelos nazarenos da Judéia até
à Grécia e Roma, ensinamentos de uma mansidão e humildade muito contrárias ao espírito
guerreiro e vingativo dos romanos especialmente. Em substituição do que Jesus
dissera “os primeiros serão os últimos e os últimos os primeiros”,
estabeleceram-se jerarquias na própria igreja que se disse de Cristo e
interpretaram-se as palavras do Messias contra o espírito por ele demonstrado,
que de humildade e de caridade mais que tudo estava impregnado, rodeando-se a religião
e o clero de toda a suntuosidade, de todo o ouro e de todas as riquezas que se
pôde. Consagrou-se o sacerdote com o poder de perdoar todos os pecados, por
grandes que fossem, e com o outro, maior ainda e mais incompreensível, de
converter o pão e o vinho na carne e sangue do que se chamou o cordeiro pascal,
sem deixar de ser vinho e pão, porém passando a ser na realidade a mesma carne
e o mesmo sangue de Jesus, com todas as suas propriedades.
As doutrinas do
Messias deixaram de estar assim com eles certamente, para esconderem-se outra
vez entre os pobres e os deserdados, entre os humildes, entre os que a Deus
somente elevam seus corações em demanda do amor que os vivifica e que unicamente
dele vem. Acreditais, porventura, que a ação física do que chamado foi
Eucaristia, e por mais que freqüentemente a fé a acompanhe de um elemento
também moral, acreditais, porventura, que sua ação ao lado do perdão dos
pecados, tão facilmente obtido e sem intervenção das vítimas, será de algum
proveito real para o espírito? — Só o será quando signifique um sacrifício, um
mérito real para o crente que de boa-fé fez um esforço em tal sentido, mas de
maneira alguma, por esses meios enganosos e contrários às minhas palavras,
poderão alguns adquirir posição mais fiel e segura, para alcançar a sua
salvação, que os chamados hereges pela igreja católica, apesar de
encontrarem-se geralmente eles mais próximos que ela dos ensinamentos de Jesus.
Tende bem fixo sempre
no entendimento vosso que só o amor foi a base e também o objetivo dos
ensinamentos de Jesus, pelo que eu vos disse, que “só pelo amor será salvo o
homem”.
Que há, pois, de amor
no tratamento que se dá a Jesus com a eucaristia, renovando sua dolorosa paixão
e convertendo seus despojos em alimento dos fiéis? — Que há de amor na
obrigação e necessidade que se impõe ao crente de receber o perdão de suas faltas
unicamente por intermédio do sacerdote?
— Nada há pois nisto
que se relacione com meus ensinamentos e tende a certeza que jamais teve Jesus
a idéia destas cousas quando, sempre pelo contrário, ensinou que todos iguais
éreis perante o Pai, e que agradável era-lhe o ouvir as vozes de suas criaturas
elevando-se em demanda de sua paternal proteção. A oração que chamais dominical
não saiu certamente dos lábios de Jesus que muito orou e muito ensinou a orar,
mas eram suas orações de menos egoísmo e materialidade e de maior elevação
moral.
A Ceia Pascal,
queridos filhos meus, tinha para os hebreus elevada significação de
confraternidade com o Senhor. Com dificuldade poderia definir-se a feição
peculiar com que assim a alma do povo a consagrava, sem muito cuidar-se da
austeridade com que oficialmente a cercavam, pelo que recordava a reconquista
da perdida liberdade do povo de Jeová subjugado pelas armas egípcias, que o
mantiveram sob largo cativeiro. Mas o fraternal entusiasmo da família hebréia
novamente escravizada por armas estrangeiras, encontrava nesse ato oportunidade
melhor para as expansões da alma popular. Se, pois, cheios eram esses momentos
de religiosas evocações, mais ainda transbordavam de sentimentos de
confraternização. Não poderia dar-se portanto melhor oportunidade para as
elevadas manifestações das doutrinas de Jesus que são, do próprio amor, a
expressão. E certamente, os que a essa ceia se aproximaram e com esses
sentimentos o fizeram, ao comer o pão, pão de vida eterna comiam, e ao beber do
vinho, vinho de eterna vida bebiam, minha própria carne comiam, pois, e meu próprio
sangue bebiam, entrando na própria natureza do Pai, como eu vos disse, porque o
princípio e o fim e o meio e tudo, no Pai se encontra compreendido.
Mas não busqueis nos
atos materiais dos homens a sua verdadeira essência, porquanto sofre ofuscação
a mente, muitas vezes, e é levada a atos em aparência incompreensíveis como o
de quem traga a hóstia consagrada, crente de que traga a Deus e está convencido
de fazer obra boa assim. — Esse homem obra bem em sua consciência e,
freqüentemente, a preparação para esse ato, que ele classifica de santo,
implica em uma verdadeira e encantadora purificação, que
oxalá tivesses tu, que fazes motivo de zombaria dele, meios com que
substituí-lo.
Assim também não
acrediteis que a paixão, que não encerra uma estrita justiça, pode ter entrada
no coração de Jesus que é um igual para com todos seus irmãos e cuja felicidade
é somente a que aspira com todas as suas forças. Quanto vos disse, a verdade há
de ser portanto, e isto é o que desejo fazer-vos observar, já que muitas vezes
se tem invocado o espírito de Jesus para expulsar novamente os mercadores do
templo; crede-me, pois, que entre esses mercadores há ainda muito mais virtude,
muito mais grandeza de alma e elevação de espírito que entre vós e nas
faustosas habitações levantadas por vossa ciência tão limitada, como orgulhosa
e digna da maior lástima. Honrai, pois, ao Messias, com a aceitação de suas
palavras que a estrita verdade encerram; honrai-o com o cumprimento do que vos
é necessário cumprir para com o Pai, elevando diretamente a ele vossas orações,
porquanto nenhuma intervenção estranha vos é necessária para o cumprimento do
que ao Pai é devido e porquanto assim também vos hei ensinado. A maior das
orações é aquela que o coração mesmo traduz, sendo os sentimentos que comovem o
coração os que melhor o Pai compreende. Na sinceridade da intenção, no esforço,
no bom desejo, já a oração está que ao Pai agrada. No entanto, bom é que
consulteis o recôndito de vossas consciências, quando vos acalorais na defesa
do que tomais pela verdadeira doutrina, para ver se não estais faltando com a
caridade no mesmo momento em que como seus defensores vos apresentais, pois
observei em mais de uma ocasião, sacerdotes do culto protestante e católico,
sinceros e crentes do que ensinavam, receberem em silêncio e com humildade os
ataques dos que se apresentavam como defensores das idéias novas, da luz, do progresso,
chamando obscurantistas a seus contrários, e imputando-lhes, sem conhecê-los
sequer, todos os vícios imagináveis, os quais, entretanto, em maior quantidade
e mais encobertos, neles mesmos se encontravam; vendo finalmente que os tais
sacerdotes não abandonam sua calma e humildade, dizem-lhes que tudo é feito por
hipocrisia.
Poucos espíritos há,
na verdade, como os apontados entre os sacerdotes do culto protestante e do
culto católico, porém muito mais raros certamente, se algum há ainda, hão de
ser os encontrados entre aqueles que se chamam liberais e que o são no sentido
de romper toda a cadeia que seja um estorvo para a conquista de tudo o que os
deleite ou lhes convenha. Estes liberais que nem sequer do sentimento religioso
têm uma idéia, espíritos jovens são que muito pouco ainda têm caminhado pelas
vias do progresso e seu próprio orgulho prova é do atraso de seus espíritos;
inimigos demonstram-se eles de todo o sacerdócio, não por fazer guerra contra o
obscurantismo, senão porque toda a religião freio é sempre para o vício. Assim,
pois, em toda a cousa e a todo momento é sempre o espírito o que deveis buscar.
Quando tratardes, portanto, de explicar-vos as cousas de minhas doutrinas ou
das que se me atribuem, observai principalmente se a idéia achada encontra sua adaptação
com o espírito dos ensinamentos de Jesus. Facilmente vereis que o que se diz da
confissão, da eucaristia, do inferno, etc., não encontra verdadeiro lugar no
meio dos ensinamentos do Messias.
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