Se tiverdes prestado
atenção, irmãos meus, à minha anterior comunicação, tereis compreendido quão
fácil é confundir a paixão com a virtude, ainda quando a paixão possa arrastar
aos piores extravios do espírito. Ai! pois, daquele que abandona o próprio
raciocínio entregando-se ao impulso do cego fanatismo, porque para sua perdição
caminha certamente. Que foi a morte de Jesus? Obra aziaga da paixão que fecha
os olhos do homem à luz do raciocínio e faz insensível o espírito ante os
lampejos da verdade. Que foram os mal chamados mártires do Cristianismo? —
Vítimas, não estéreis, porque a abnegação nunca é estéril, porém
desnecessárias, de seu próprio fanatismo e da cega paixão de seus vitimários.
De um lado e do outro
a paixão, ainda que sob diversos aspectos. Que foram as bárbaras e sangrentas
guerras para a reconquista do que se chamou Terra Santa? — Foram o resultado
das paixões enfurecidas, legitimadas com o nome de Deus, que jamais lançou o
homem contra o homem em horrível mortandade, senão que, por boca do Messias,
mandou-o amar a seus semelhantes e devolver bem por mal; legitimados sob o nome
de Deus e sob a bandeira da mal chamada Igreja de Deus, disposta sempre a
santificar o que aumentasse seu poderio e sua grandeza.
Que foi o Santo
Ofício, dos pretensos Vigários do “Manso Cordeiro”, e a Santa
Inquisição? Foram as manifestações mais legítimas e boas para a paixão feroz
assenhoreada das posições do poder, da paixão convertida em fanatismo e tomando
o lugar da razão. Sede razoáveis, pois, irmãos meus, e jamais vos ofusque a paixão,
porquanto o que é bom, bom é por si mesmo e sem violências; o que não é justo,
inutilmente o legitimareis sob o império da força porque nada que seja injusto
deixará de o ser pela convencional legitimação humana.
Bem deveis entender
que o homem nada pode tirar e nada pode acrescentar às leis de Deus que a própria
essência da verdade e do bem formam. Assim, portanto, “com a mesma medida
com que medirdes, sereis medidos”, e como castigada é a igreja católica com
a sua decadência e completo desprestígio a que vai chegando, pelo mau uso que
dela foi feito com os meios de domínio e ensinamento que em suas mãos
estiveram, assim vós também castigados sereis se abusardes, como às vezes o
fazeis, do lugar vantajoso em que vos encontrais colocados ante os
conhecimentos humanos, ante a lógica e a história, armas empregadas agora em
vez de ferro, e que certamente melhores e mais duradouros êxitos alcançam nas guerras
das religiões.
Não sejais, pois,
injustos com os adeptos dessas já velhas religiões, se bem que de curta vida
ainda, porém velhas quanto ao atraso de suas doutrinas com relação a muitas
verdades perfeitamente conhecidas pelo homem e ainda desconhecidas ou negadas
por elas, tais como: a igualdade perante Deus de todos os homens, sem eleitos e
sem graça especial para ninguém; a pluralidade de vidas carnais e de mundos
habitados; Deus eternamente igual a si mesmo e não diferente em personalidades,
ao ponto de assumir uma delas, o filho, uma natureza finita e mortal; que cada
espírito é filho de suas próprias obras, única maneira que permite existir
verdadeira responsabilidade e verdadeira justiça na distribuição do prêmio e do
castigo. Porém, ainda assim, apesar da desvantagem no atraso de suas doutrinas,
é entre os católicos onde se notam os maiores esforços para aumentar o império
do espírito sobre a natureza carnal do corpo; entre eles observa-se ainda a
maioria dos que desprezam seus próprios interesses pelos interesses do próximo
e dos que lutam e trabalham para desgastar as asperezas da pessoa humana, suas tendências
para o predomínio bestial; dignificar o amor pelo respeito para o lar
constituído; dar brilho, enfim, grandeza e elevação à alma humana, feita, a
alma não o corpo, à imagem da do próprio Deus.
Observai com
sinceridade e discerni as cousas com justiça e vereis, como prova do que vos
digo, que dos povos de onde desaparece o catolicismo, antes que as novas
religiões tenham podido exercer a necessária influência sobre eles, a imoralidade
aumenta, os crimes e os suicídios se multiplicam e a sociedade dá um passo para
trás pelo caminho do torpe materialismo.
Muitas vezes o
sacerdote católico tem-se levantado frente a frente dos potentados em defesa
dos direitos do povo, ao passo que os ricos e os mesmos costumes sociais que
deles sofrem predomínio, toda a sua influência derramavam aos pés desses mesmos
potentados em defesa do que se chamou seus foros; a opulência, o fausto, a
gente de distinção, como chamais aos homens que por seu dinheiro mais vivem com
o corpo que com a alma, os bons costumes e até as leis, têm dado muitas vezes
em apoiar o erro contra a verdade; mas tudo isto e quanto se fizer, nada tirará
de sua maldade ao que é mau.
Esses virtuosos sacerdotes,
muito poucos certamente, que desafiando tudo, o ouro, as preocupações, a
influência das maiorias, seus próprios interesses, as ameaças e até a
legislação feita pelos homens do que eles combatem em defesa dos interesses dos
deserdados e dos oprimidos, esses virtuosos sacerdotes, que assim entregues
vivem ao serviço da verdade, ministros são realmente do Pai, porquanto obra do
Pai é a que assim eles levam avante. Mas não é obra do Pai certamente aquela em
que o mesmo clero católico vos brinda com frívolas formas em lugar da verdade
que deveria ensinar, porém que desconhece pela cegueira em que caiu ao
apartar-se dos simples e humildes ensinamentos do Messias.
As mais das vezes, ou
sempre, o dogma obscurece a inteligência desses seres tão grandes às vezes nas
cousas da alma. Mistério a miúdo insondável, porquanto não pareceria possível
que espíritos de luz, ao revestirem-se de um corpo material na Terra, percam
seu são juízo a ponto de aceitar como verdades inquestionáveis, absurdos inadmissíveis
ante a sã razão. Sucede portanto que, com grave responsabilidade para a igreja
católica, as verdades mais fundamentais de meus ensinamentos vêem-se
profundamente alteradas, até originarem-se conceitos universalmente opostos a elas
e constituir-se um critério religioso que nem sequer relação remota guarda com
o que Jesus inculcava; é assim que, aceita-se como boa a instituição da
eucaristia e da confissão, quando a elas se opõe o espírito de meus
ensinamentos; que consideram-se justas as chamas eternas do inferno, quando
disse Jesus que Deus não quer a morte do pecador, senão que viva e se
arrependa, “porque finalmente todos serão salvos”; dá-se por satisfeita,
a crença imperante, com uma só vida de encarnação quando as próprias diferenças
sociais e as diferenças de aptidões entre os homens, demonstram claramente que
os que mais sofrem é porque maiores males terão ocasionado em uma existência
anterior, e o fato dos nascimentos sucessivos foram por Jesus confirmados quando
disse: “Em verdade vos digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o
reino dos céus” e também: “Vos é necessário nascer de novo, renascer e
tornar a nascer”. E também há grande diferença entre o que foi ensinado da
religião, como elemento da alma e aroma do espírito que para Deus se eleva pela
perfeição de seus sentimentos e pela adoração íntima e sincera do filho para o
Pai celestial, e o que por fim resultou dos ensinamentos da igreja católica em
que as formalidades e as convenções tomaram o lugar do que Jesus inculcara no
ânimo de seus ouvintes.
Do mesmo modo, com o
chamado dogma da Imaculada Conceição tomou-se um fato falso e antinatural, em uma
ordem de cousas em que o mau e o bom não existem, pois que trata-se
simplesmente de fenômenos orgânicos, tornou-se como excepcional caráter de
superioridade a errônea crença de que Maria pôde ser mãe sem ser esposa. Se tal
fato tivesse sido possível e seu cumprimento certo fora, em que haveria
avantajado a virtude ao que hoje é e em que teria sido superior a personalidade
de Maria ao que hoje é? Por que confundis o que é do corpo com a virtude, que
filha é do esforço do espírito? —
Estabelecei o domínio
do espírito até onde alcance o do corpo, mas não maculeis os atributos da alma
com as torpes materialidades da vida orgânica. O homem tem podido transformar
em vício o que unicamente encerra os meios de sua renovação corporal, por meio
da descendência, mas nada há nele que se refira propriamente à natureza
superior do espírito. O dizer de virgindade, falando de virtudes da alma, choca
ao espírito.
Deixai, pois, ao
corpo o que é do corpo e não rebaixeis as elevadas concepções da alma, que
busca Deus, com as grosseiras manifestações do corpo que se arrasta no meio do
cumprimento das leis que regem a sua evolução, como meio unicamente de progresso
do espírito, mediante as vidas sucessivas no seio da natureza organizada, até
chegar à conquista do seu caráter definitivo de espírito, que não precisa já da
condição humana e não volverá portanto a um corpo para participar da vida intermediária
entre o espiritual e o material.
Crede, pois, que rebaixais
vossa própria natureza com a virgindade ou não virgindade, porquanto é sempre
grosseira a idéia, principalmente quando se refere ao que menos nobreza
apresenta quanto à forma. Com relação ao objetivo, sabido é que a intenção sã
tudo enobrece e os sentimentos nobres tudo elevam, mas não mancheis o ideal com
o que somente é próprio da grosseira materialidade do organismo humano.¹ Riscai, pois, as
palavras virgem e virgindade no referente à religião para não rebaixar o
elevado conceito desta.
¹ O que se considera como uma virtude é
o esforço que se deve fazer para resistir às tendências naturais do corpo que
conduzem para o cumprimento do preceito bíblico: crescite et multiplicamini; ou
mais naturalmente dito, à renovação da espécie. No fato mesmo não há, pois,
virtude ou pecado, sendo uma conseqüência de nossa própria organização e
obedecendo a uma lei natural, que deve cumprir-se, somente que pode por nós ser
dirigida e dominada até suprimir seus efeitos em si mesmos, ou pode deixar-se dominar
por ela como escravo. É questão de evolução: para alguns o domínio sobre sua própria
natureza é um impossível e fazem cúmplice a fisiologia para fazê-lo crer assim;
para outros isto exige somente um pouco de vontade, resultando vigorizada sua
saúde, sua inteligência e seu caráter, a despeito do que a fisiologia afirma. —
Nota do Sr. Rebaudi.
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