O que disser: não
tenho pecado, a si mesmo enganaria e se eu vos disser que não tenho pecado, me
torno mentiroso e não está em mim a palavra daquele que veio em nome do Pai
para o conhecimento da verdade que do Pai é. Mas se longe estava João da pureza
do Salvador, seu coração estava no entanto com ele, que sob seu amparo o cobriu
e como filho amado o tratou.
Como vos digo
aconteceu: que estavam unicamente com Jesus, Cefas e Simão¹ na aprendizagem do
apostolado aos quais o Messias havia dito: pescadores sois de peixes, mas
vinde, segui-me e pescadores vos farei de homens; e nesse tempo minha mãe, chamada
Salomé, ouvia a Jesus com grande fé e devoção na palavra de Deus, e
compreendendo ela que era ele verdadeiramente o profeta esperado, o filho de
Deus vivo, quis dependência dele para seus filhos, no amor, nos ensinamentos e
na obediência, como pai, mestre e senhor. Estes eram: Tiago meu irmão mais
velho, e eu, João.
Nosso pai, Zebedeu,
achou bem como a mãe e levados fomos à presença de Jesus, que nos recebeu com o
amor que lhe era comum, sendo-lhe estimada a família de Zebedeu que fé e devoção
nele tivera.
Já disse portanto,
sem culpa não devo dizer-me, porém os curtos anos, a natural vivacidade e muito
loquaz, compreendendo também mais depressa as cousas pelo Mestre ditas,
davam-me, perante o Senhor, alguma aparente preferência e dela não soube João
usar para o bem, mas sim, para querer elevar sua própria pessoa de discípulo
preferido. Tão-somente a Cefas, ou Pedro como se lhe chamou desde esse tempo,
tinha João em consideração, por seu grande zelo e firmeza no amor do Mestre e cumprimento
das cousas que dele vinham.
A vaidade e a falta
de experiência chegaram desta maneira a ser causa de alguns ciúmes na família
de Jesus e discutindo com mau modo, ainda que com razão muitas vezes,
estabelecia causas de pequenas discórdias. Meu irmão Tiago vinha sempre em meu apoio.
Era ele também vivo e inconstante no temperamento, sendo que na iniciativa
acanhado era e em ajudar o irmão era o contrário.
Muito pouco
certamente era de importar, para a pequena comunidade, os ditos ciúmes e a tais
dissensões entre os irmãos. É preciso, porém, considerar a diferente natureza
de todo o homem, e é por isso que Judas, chamado o Iscariotes, débil de corpo,
com timidez e retraimento em sua pessoa, deu-se em acreditar que não o tomavam
em consideração e as aparentes preferências do Senhor por Pedro e por João
abriram profunda ferida em seu coração. O espírito do mal trabalhava
invisivelmente e faltou-lhe a confiança no Mestre, que o teria salvo; antes o
entregou, porém não por dinheiro, que ninguém lhe ofereceu, mas sim por idéia
de sua vingança.
Judas, caído no
arrependimento assim que o mal praticou, internou-se no campo, vida levando de
pena e de trabalho. Espírito de luz é hoje como os outros discípulos do Senhor.
João pôde bem
desinteressar-se um pouco de si próprio para aproximar-se do irmão e libertá-lo
das trevas de seu coração com palavras de amor, enquanto que somente de
fantasias e do desejo de glória apostólica cheia tinha eu minh'alma.
Irmãos meus: Qualquer
que comete pecado, transgressão faz também à lei e para o cumprimento dela,
nela mesmo castigado é o transgressor, encontrando entrada o espírito maligno. Ele
age depois tentando a cada qual em suas fraquezas. Assim sucedeu portanto que
não tentou a João na maldade o espírito maligno, mas sim em suas fantasias,
dadas a exagerar todas as cousas do Mestre, querendo elevá-lo até Deus para
elevar-se depois até ele também. Porém o amor de João era grande. Sua fé, grande
era também e sua vontade como as duas. Queria o engrandecimento da doutrina
elevando o seu divino divulgador e perante até os outros apóstolos,
engrandecimento demonstrava de tudo o que ele só lhes dizia saber ou haver visto
do Mestre.
Eis, portanto, que o
espírito maligno preparava nele as causas do que mais tarde aconteceu em Éfeso.
Tudo o que saído foi da boca de João em sã intenção foi para o amado Mestre e
também os milagres não foram assim como meu exagerado caráter
os pintou; não foi somente João que os afirmou, mas sim também os outros
discípulos e muitos de seus ouvintes. Exagero, devo dizer, não falsidade, pois
milagres eram nesses tempos a visão do ainda não acontecido, o conhecimento do pensar
de outro, a cura de enfermos incuráveis, a liberação dos espíritos imundos dos
pecadores dominados por eles. Isto o Senhor fazia e ensinou-o a fazer aos seus
discípulos também; porém, o que de verdade há em chamar-se milagre não existiu
e de sua invenção a João por completo pertence a iniciativa; os outros discípulos
submeteram-se pouco a pouco ou calaram e depois aceitaram e também como eu,
falaram afinal.
Se eu vos disser,
portanto, que não tenho pecado, torno-me mentiroso, porém o tal pecado em falar
dos milagres que não existiram, eis que para bem vieram, como pelo próprio
Jesus dito é.² O espírito maligno,
portanto, apesar de procurar o mal, fez o bem, porquanto até o mal e a própria
morte³ hão de servir de pedestal
ao bem, pois tal é a lei de Deus.
Isto foi quanto aos
fatos do Messias; nos tempos porém que decorreram depois de sua morte, nas
doutrinas confusão trouxe também sua fantasia, por querer fazer melhor, em recordação
e amor, das palavras do Mestre, sendo porém que o espírito maligno da vaidade,
ainda que fosse pouca, porém grande por ser do apóstolo, porta aberta encontrou
no curto entendimento do discípulo predileto de Jesus.
É assim, portanto,
que muito trocadas foram as palavras do Messias no Evangelho de João, que aos
outros arrastou em parte, dando-lhe a todos para dizer da anunciação do anjo,
do nascimento de uma virgem, da morte dos inocentes e outras cousas que João
soube de conhecimentos adquiridos nas cidades que visitou quando se dispersou a
primeira igreja, pela destruição de Jerusalém, no ano 70 de Jesus Cristo.
Pecado portanto houve
em João, porém não a intenção do mal; sim, mais desejo do bem em seu coração
por amor do Mestre e pelo maior valor que nesciamente acreditou dar às suas
palavras, perante os homens. E é verdade que nós, unção do Filho de Deus recebemos
e o amor e a fé estavam em nós e tudo assim para nós era levado e o pecado de
João foi muito maior que outra cousa, pela falta do entendimento no qual
soprando o espírito maligno e entre o vaidoso de seu coração, que pouco via já
a humildade da doutrina, fez-lhe ver o que não devia, quer dizer: Quis engrandecimento
dar às cousas que de Deus vinham e que maiores por isso eram; porém o grande
fez pequeno e das causas de Deus cousas de homens.
Porém no tempo que
isto fiz, cegos eram os entendimentos e as cousas assim ditas mais valor por
certo encontravam, do que se a simples verdade ouvissem. Contrário, porém, é
hoje o fato, chegando as gentes a desconhecer não somente os milagres mas também
as cousas dos grandes espíritos, o que o grande espírito de Jesus pôde fazer e
fez.
Assim, em tal causa
não dão já testemunho de Cristo e da palavra que do Pai recebeu e em seu nome
aos homens ensinou. Grande prejuízo é, pois, agora o de João. Mas eis que volta
o Messias para restabelecer as cousas como estava anunciado e eis também seus
apóstolos trazendo-vos cada qual o que lhe foi ordenado.
Porém, ao
aproximar-se João até vós para o restabelecimento da verdade, há de fazê-lo de
maneira que, em sua essência e em sua forma, o verdadeiro esteja certamente com
a pessoa desses tempos,⁴ não se afastando do
que então foi. Hei de recordar portanto os passos dessa época que tão dilatada
foi para o apóstolo João que, João o Velho deram em chamar-lhe.
Ensinado por mim foi,
não deve duvidar-se, o Evangelho de São João, mas não na letra que o conheceis,
apesar de ter sido bem o espírito do discípulo predileto quem o inspirou.
Assim, portanto, verdade fala quem diz: João escreveu o Evangelho; e assim pois
verdade também fala quem diz: João não escreveu o Evangelho. Quer isto dizer
que o apostolado e o ensinamento são de João, mas a letra é e em parte não é.
Depois da prisão que sofreu por ordem do Imperador Domiciano e do desterro em
Éfeso com que o César o castigou, voltou outra vez a Éfeso quando da morte do
mesmo Imperador e começou a preparar as cousas do Evangelho com diferente idéia
da que no ano 70 de Jerusalém consigo resolveu. Não, em verdade, o espírito
outra cousa fez senão engrandecer-se, propôs a influência que pudesse ter sobre os gentios.
Disse, pois, assim
João: Aqui em Éfeso, em que a tanto a filosofia subiu, muito pouca cousa é a
simples doutrina nazarena ensinada por Jesus aos também simples galileus, porém
Jesus mais sábias doutrinas aqui houvera dado aos homens que aqui estão porque,
sendo Jesus o maior, não há de haver doutrina mais elevada que a dele. E eis,
portanto, que entreguei-me ao que nesse tempo chamado era a inspiração do
Espírito Santo, e assim, não o Espírito Santo, mas o espírito de meu
ofuscamento fez-me escrever e mudar as ungidas palavras do Messias nas frias
palavras daquele que suas fantasias quer estabelecer com o raciocínio.
A teologia estranha
com nascimento na Ásia Menor nesses tempos e que em Éfeso maior crescimento
teve, grande influência alcançou em meus ensinamentos, mas não tal como no
Evangelho de meu nome se encontra, porquanto acréscimos e mudanças de importância
há no que João ditara a seus discípulos, e no princípio do Evangelho,
principalmente, nada é de João.
Os sublimes discursos
do Messias procurava eu fazê-los de importância maior nos ensinamentos a meus
discípulos de Éfeso e eles, assim dessa maneira vô-los transmitiram e é por
isso que falta-lhes, de certa maneira e completamente, sua original sublimidade;
saboreai no entanto o dizer de Mateus no Evangelho que de seu nome se
escreveu em Betânia, por seus discípulos também, poucos anos antes que o meu.
Tais discursos, a palavra e o espírito do Messias em si levam, mas os de João
frio reflexo somente em si mostram.
Por escrever
certamente as “Revelações” que primeiro existiram, foi que no ano 95 do
Senhor, moveu perseguição aos cristãos o Imperador Domiciano e fez-me meter
primeiramente em cadeias em Éfeso, onde vindo era João para ensinar “O Evangelho”,
desde os dias da destruição de Jerusalém. Antes, já conhecido era, com Pedro,
em Éfeso, e levado também havia as palavras do Messias; somente mais tarde lhe
chegou a idéia de estabelecer-se no lugar, inteiramente, para os propósitos do Senhor.
Estabeleceu João
assim em Éfeso base para a Igreja do Oriente, entretanto o Imperador, não
satisfeito com as cadeias de João, quis dar-lhe morte; mudada, porém por Deus
sua idéia, bastou servir-lhe de desterro a ilha de Patmos. Foi, no entanto, nesse
lugar que escreveu a “Revelação”, sendo já a outra metade de ano 95 do
Senhor. Chegado o ano 96, livre viu-se João pela morte do César, indo ocupar
seu apostolado em Éfeso, onde se ocupou em ditar “O Evangelho” assim
como se ocupara antes em ensiná-lo a seus discípulos.
Sopravam, porém,
neles as idéias estranhas de novas doutrinas que em públicos ensinamentos muito
valor a alcançar chegaram, e é por isso que, no brilhante, singelo e sublime
das palavras do Senhor, as que já João diminuíra, confusão levantaram-lhes
ainda os discípulos deste. Prova vos dá a melhor, disto, o capítulo I que nada
tem de João.
Toda a verdade deve
ser dita, somente o capítulo XXI, todo inteiro, completamente, é de João, sendo
que ele mesmo, como já dito foi, chegou a tomar parte das tais idéias com
intenção de pôr em maior destaque o que dito foi singelamente pelo Mestre.
Chega portanto ao
justo conhecimento das cousas: que João ditou “O Evangelho” a seus
discípulos os quais porém somente o espírito guardaram. É assim, portanto, que
em vossas mãos está a palavra do Messias com inteira certeza no que da doutrina
é, se bem que nas palavras, diferença haveis de encontrar. Em Mateus pode-se
dizer que a palavra e a doutrina do Salvador estão inteiramente. Em Marcos do
mesmo modo estão, porém principalmente em Mateus.
Do apóstolo Lucas não
chegou a escrever-se o Evangelho. Outro Lucas, a quem Galiléia e Jerusalém não
conheceram, na Ásia Menor, porém com empenho buscou as cousas pelos discípulos
dos apóstolos ditas. Estava também em Damasco um discípulo direto do Senhor,
chamado Ananias, que a Paulo para curar viera nos dias de sua consagração pelo
espírito do Senhor, quando vinha Paulo de Jerusalém a caminho de Damasco.
Ananias do mesmo modo consultado foi por Lucas, ou melhor Lucano, para o
Evangelho que empenho em escrever ele teve e Policarpo também, discípulo de
João, perguntado foi e assim vistos foram de iguais documentos e contudo
escreveu Lucas um Evangelho bom, se bem que não procedesse de nenhum discípulo
direto do Senhor.
Os três outros, pode
dizer-se, saíram: Mateus, no ano do Senhor 89; Marcos 91; e João 96. Pode
dizer-se, quer dizer: que por esses anos Mateus e Marcos ocuparam-se em
escrever guiados por Pedro; Mateus juntou notícias e discursos do mestre em
língua aramaica; Marcos dedicou-se principalmente em escrever sentenças e
anedotas do Senhor e fê-lo em língua hebréia. Os discípulos destes, porém, logo
que pouco depois estes apóstolos morreram, maiores cousas acrescentaram aos
mesmos ensinamentos daqueles. Sucede no entanto que tais terminados primeiro
foram que o de João, o qual pouco depois se viu no ano 96 do Senhor. O de
Lucas, porém, não é já do primeiro século, sim da metade do segundo, isto é,
por cerca do ano 140 do Senhor.
A importância que do
escrito, naquele momento, não se deu, foi em razão da proximidade dos tempos.
Sendo que todas as cousas em renovação, caídas ver-se-iam. Que era de importar
aos homens que fossem escritas? Aproximava-se o Reino de Deus, chegando já a
erguer-se sobre a destruição do velho, passado e mau, levantando-se sobre toda
a morte, toda a vida. Havia-se então de escrever para os mortos? A anunciação,
como escrito está na história, se não existiu certamente, sempre se disse que,
em vozes misteriosas faladas⁵ ouviu-se
do Messias vindouro a anunciação e em sonhos também, isto é, de Jesus, de quem
não pode duvidar-se que tudo o que escrito estava encontrou seu cumprimento,
também como o Batista o disse: “Este é aquele de quem disse: Depois de mim
vem um varão o qual é antes de mim, porque era primeiro do que eu⁶ e certamente,
espírito maior que Jesus jamais veio entre os homens, que tinham de vir.
Obrigado vê-se ele
mesmo, no entanto, a demonstrações mais pequenas de si próprio do que em
verdade comportava sua pessoa, sendo que os dons que vós chamais médiuns, mais
que ninguém ele alcançou,⁷ o que junto com a inteligência,
perspicácia e sua grande vontade, tinham-no mais alto colocado e com maior
poder que nenhum outro homem.
Se, portanto,
milagres não pôde fazer, porque tampouco Deus pode, grandes cousas porém, por
ele aos homens foram feitas para que os homens nele acreditassem, sinais são
que do Pai recebera ministério. Nenhum nome mais odiado é e mais temido que o
de Jesus, pelos espíritos do mal e nenhuma pessoa foi, é e será mais tenazmente
perseguida pelos homens inimigos de todo o bem que a personalidade do Mártir do
Gólgota. Prova é isto que ninguém há maior que Jesus entre os homens.
Depois do
desaparecimento material do Mestre, somente em sua lembrança e amor ocuparam-se
a princípio seus discípulos, por inteiro entregues às manifestações de sua ressurreição espiritual. Poucas
vezes certamente deixou-se ver o Senhor de todos os seus discípulos reunidos,
mas muito freqüentemente, entretanto, de dois ou três discípulos reunidos,
principalmente de Pedro e de João. O que chamado é “a visão de Pedro”,
um sonho dele foi somente.
A pesca milagrosa,
abundância recolheu somente seguindo conselho de um homem que viera falar a
Pedro desde a costa, no qual mais tarde, com André, Tiago e João, acreditaram
ter visto o próprio Mestre, que na ofuscação de seus espíritos,
desconheceram. Os tais casos que da fantasia e fé ardente dos discípulos
confusão foram fazendo com fatos verdadeiros, antes da morte e depois da morte
do Messias, fizeram enredadas relações na lembrança depois dos discípulos dos apóstolos
os quais destes receberam o Evangelho e completaram mais tarde com acréscimos
de suas recordações. É certamente para notar que passam sempre sem atenção dos
homens as cousas de maior importância, fixando-a no entanto nas menos
importantes que principalmente vêm bater em suas vestes, das quais escrava dependência
guardam ainda.
Tanto mais alto
alcançareis em perceber a verdade quanto a maior independência dos sentidos chegardes,
quer dizer que o espírito chegará à dominação dos sentidos antes que estes
sobre o espírito.
Não está portanto em
vós o modo de apreciar os fatos de Jesus, alguns dos quais, João, espírito mais
velho que vós, não chegou ainda a compreender e outros dois mil anos sendo passados,
o abismam em seu entendimento por sua imensidade e cegam seus olhos a muita luz
deles. Os homens no entanto somente as palavras vêem e mais que tudo trazem
confusão a seu entendimento os chamados milagres, sendo que nem sequer ainda o
conceito da fé e da oração é compreendido depois de quase dois mil anos.
Unicamente as palavras e o raciocínio sobre tais conseguis alcançar, porém a
essência delas não a percebeis. É vos necessário portanto nascer de novo,
renascer e tornar a nascer para compreender, para dar com a essência dos
simples ensinamentos do Messias.
De boa vontade nesses
tempos veio o Senhor para dizer: “Se vos disse cousas terrenas e não as
acreditastes, como acreditaríeis se vos falasse das celestiais?” Os
discípulos, portanto, eles também jamais estiveram no inteiro entendimento das
cousas por ele trazidas ao mundo. Significação fácil em aparência muitas vezes
têm as cousas, enquanto que escondido guardam o espírito delas.
João, também da
recordação dos ensinamentos do Senhor recebidos, é lhe dado agora vir deles em
muito maior aproveitamento, sendo assim que: o que era desde o princípio do Pai
era, porque todas as cousas são dele e dele vem toda a vida; dele, portanto,
vida eterna⁸
para
trazer-nos veio o Filho, porque a graça do Pai pelo Filho temos e é por isso
que tudo o que no Messias era e todos os seus fatos e ensinamentos testemunho davam
do alto ministério que de Deus recebeu, e assim também dele ouvimos: “Eu vim
em nome de meu Pai e não me recebeis: Se outro vier em seu próprio nome, a ele
recebereis.” “Mas eu tenho maior testemunho que o de João, porque as obras que
o Pai ordenou-me que cumprisse, as quais eu executo, dão testemunho de mim, que
o Pai me enviou”.
É assim agora, que,
se naqueles tempos as fantasias e os milagres inventados por um discípulo deram
notoriedade ao Mestre, eis que obrigado se vê a vir novamente e dizendo assim, que
o milagre nada tem com a doutrina e a doutrina nada tem com o milagre, sendo
que este não existiu, enquanto que a doutrina do Pai vive em todo tempo.
No dizer do Senhor: “Eu
milagres não fiz”, verdade diz, e ouvido é dos que não querem milagres;
estes, porém, a verdade não compreenderam, porque entendem que o Senhor não fez
as grandes cousas que vindo foi para cumprir.
Em verdade vos digo,
porém, que a presença de Jesus somente bastava para impor sua pessoa; da fronte
e dos olhos dele parecia sair luz: a palavra com doçura e com sentimento dita,
ao coração chegava dos ouvintes e saía da sua pessoa num fluido tão suave, que
a curar chegava muitas vezes os enfermos que dele se acercavam.
Bem tendes vindo vós
agora em conhecimento do atraso dos homens que dão em negar, entre vós também,
as grandes cousas que pela ciência da alma são feitas, porque não compreendem,
isto quer dizer, porque lhes falta a fé, e falta-lhes a fé porque ainda à compreensão
não chegaram. Falta-lhes o adiantamento para compreender as cousas do espírito
e quando mortos são do corpo, mortos quase andam na vida espiritual, pois que
não sabem e não compreendem. Esta é portanto a vida do espírito — a vida eterna
— que pelo Filho do Pai temos, pois que a verdade e a unção no amor de Deus e
dos homens e todas as cousas do espírito que pelo Senhor chegamos a conhecer e
assim também o grande poder que por tais cousas o espírito alcança, dá-lhe capacidade
para a vida inteira e completamente sem dependência do corpo e depois também
que este morrer, a vida eterna portanto nossa é.
Por tais cousas, veio
João para dizer que a graça do Pai pelo Filho temos e do Pai pelo Filho vida
eterna alcançaremos.
Vou contar agora o
acontecido nos primeiros tempos da sociedade galiléia dos apóstolos e
discípulos do Messias, os quais voltando a Galiléia durante poucos dias em
obediência ao espírito ressuscitado
dele próprio, vieram para abrigar em suas almas o repouso e a tranqüilidade que
somente longe de Jerusalém podiam encontrar. Nessas terras, das mais ternas
recordações, fizera-se ver o espírito do
Senhor ressuscitado de uma maneira mais tranqüilizadora para nós, pelo que
acontecido foi de seu martírio, e morte em Jerusalém, pois de tudo era mais
dolorosa recordação, aí.
Porém, grande exagero
nisto também há, das aparições do Senhor no meio de todos os seus discípulos,
pois que muito poucas vezes isto aconteceu, sendo que muitas vezes deixava-se ver
de um ou de dois deles, e isto contado era depois a todos, isto é, falava-se
entre todos, e um ou outro aumentava alguma cousa também chegando afinal a vós
como cousas maravilhosas.
Porém, freqüentemente
ouvidas eram dos discípulos vozes de espíritos, que lhes ensinavam os caminhos
do Senhor, como agora também a vós acontece. No meio dessas vozes, portanto,
fácil vos é compreender que a do querido Mestre principalmente vir devia aos discípulos
amados.
Assim portanto, como
dito foi por Pedro, a ressurreição do
corpo não houve para o Messias e sim
somente a do espírito, como a todos acontece. Assim, o dever de terem como que
reflexão e decisão para o futuro fizera-os buscar o Mestre, no repouso das suas
almas, na querida Galiléia, principalmente em Cafarnaum e mais ainda nas praias
do mar de Tiberíades, às quais no oficio de pescadores outra vez viéramos e
nisto também para maior semelhança com o passado, ganhamos na recordação do Senhor.
Assim, portanto,
passou-se o tempo da morada dos apóstolos na Galiléia, porém nem todos eles
estavam nesse lugar juntos como nos dias do Senhor. Em Jerusalém, sim, todos
juntos estavam depois, não separando-se mais até ao tempo da grande dispersão
no ano 70 do Senhor.
Deu certamente o
Messias princípio ao ensinamento da palavra de Deus, tendo 25 anos; antes,
porém, já falava nos lugares públicos onde os hebreus pobres se juntavam para
falar de seus males, os quais andavam em queixas sem fim justas, porém contra
os ricos e os mandões que vinham, sem cessar, oprimindo e empobrecendo o povo,
sim que também falava o Senhor dos justos de Deus e das cousas que dele vinham
em sinais de confusão dos maus e galardão dos bons. Quer dizer portanto que o
Messias 23 anos tinha nesse tempo, porém, em chegando aos 25 a predicação começou.
A Jerusalém fora antes, mandando-o o pai primeiramente, indo com a mãe depois,
sobrevindo a morte do pai.
Em estudos ainda, já
ensinando andava, pois que tendo apenas 15 anos os estudos em Jerusalém
principiou, até aos 23 chegando Dos estudos vieram ao Senhor as cousas da vida,
das que precisão tem todo espírito para seu trabalho na Terra, o qual porém de
ordem superior para ela era entre os demais homens, pois que para estabelecer a
verdadeira religião ao mundo viera.
A certeza disto e a
clareza vêem-se em lendo a própria vida de Jesus por ele ditada. Jesus,
portanto, conhecedor era e escritor da língua hebréia desses tempos, mestre
também era no conhecimento das sagradas escrituras. Das poucas ciências que
para estudo eram, dos ensinadores judeus, Jesus todo o conhecimento tinha e da aprendizagem
para a cura de enfermos principalmente.
Pouco, em dar
remédios, era dado e mais, o que agora chamais magnetismo, usava, isto é, as
mais das vezes o que chamado é por vós imposição e aplicação e sopro, ou mais
do que isso ainda, o que chamado é mentalismo; tudo isso, porém, vinha a ser a
forma, obtendo assim na aparência humana as cousas ao grande espírito de Jesus
devidas. Aos espíritos inferiores, e aos que em maior inferioridade estão no
mundo, não é dado as cousas chegar dos espíritos puros, as quais só em palavras
compreendem, não na essência.
A razão do homem a
dúvidas leva sempre enquanto que o espírito com elevação vê e sente as cousas
da verdade como vós a luz do dia vedes. Assim, portanto, os próprios discípulos
do Senhor eram levados mais por suas palavras que pelo espírito dos seus
ensinamentos.
Não mais de oito dias
moraram os apóstolos em Jerusalém, depois que a morte deram seus inimigos ao
Senhor, quem para indicar-lhes para irem a Galiléia manifestação de si deu a
Pedro e João, e nessas terras melhor prepararam o seu futuro ministério e ele
também para melhor facilidade manifestou-lhes ali sua presença e sua palavra.
Assim, foi dito já como apresentando-se o Senhor entre seus discípulos muitas
vezes, principalmente a Pedro e a João, ampliando-lhes também os seus conselhos
e ensinamentos, mas não como foi escrito, mas sim tal como vós sabeis que
acontece entre vós também.
Sucedeu portanto que
nos primeiros dias do mês de abril do ano 33, caminho tomaram da Galiléia a
maior parte dos discípulos, quer dizer, Pedro, André, Tiago e João filhos de
Zebedeu, Tomé, Tiago filho de Alfeu, Natanael, Filipe e os dois irmãos do
Senhor, que andavam com eles, isto é, Tiago e o outro. Estes filhos eram de
José, que em casamento tomou a Maria, e era ele viúvo e tinha filhos. De Maria não
eram portanto estes, os quais, porém, em ajudar os apóstolos mais dados eram
que os outros. As mulheres galiléias que atrás do Messias vieram na última
viagem a Jerusalém, todas a caminho de Galiléia com os apóstolos, foram. Estes,
porém, para Pentecostes voltaram, saindo para o grande acontecimento do dia, e
quando chegaram a Jerusalém, orando todos juntos os apóstolos com grande unção,
Pedro e João viram luz sobre a cabeça de todos, devido a estar o aposento
bastante escuro, com porta e janela fechadas. Os outros também ver disseram,
atribuindo-se o fato, com grande entusiasmo, à presença do espírito do Senhor,
quer dizer, emanação do Senhor, ou outra cousa assim, sendo que em muita
confusão estavam ainda os conhecimentos dos apóstolos.
Falou-se depois das línguas de fogo de Pentecostes como sendo
obra do Espírito Santo. Porém, nenhum milagre aquilo foi porquanto de todo
homem luz sai,
ainda que em muita pequenez e facilmente um médium poderá vê-la em todo aquele
que, entre a sombra encerrado como os apóstolos, em unção ora. Pecado porém
está nisto também de João, quem exagero aqui como em tudo trouxe. Porém, não em
dúvidas deve tomar-se a presença do Senhor no fluido de tais luzes, as quais, e
a oração com elas se elevam em união com a elevada influência do Mestre, quem,
a seu lado, por cada um era sentido.
Se antes, já a visão
e a voz do espírito do Messias ressuscitado havia restituído o valor aos
discípulos, no tal dia de Pentecostes cheios saíram de felicidade, certos dos
grandes auxílios do Senhor, vindo-lhes grande vontade de levar a todas as partes
a verdadeira doutrina.
Com maior valor,
portanto, entregaram-se aos trabalhos começados já, com inteligência e resolução.
Sendo, porém, de muito perigo ainda andar falando de Jesus justiçado, entre os mesmos
que pelo ódio a tal chegaram, dando-se abominável fim, o próprio Senhor falou
em visão a Pedro, mandando-o voltar a Galiléia, e que daí
viesse quando outra ordem recebesse. Esta, portanto, já antes do dia de
Pentecostes teve-a Pedro em sonhos, não em visão verdadeira, tal como no
Evangelho de João está dito:
“Simão Pedro, amas-me
mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo.
Disse-lhe: Apascenta minhas ovelhas. Tornou a dizer-lhe: Simão Pedro, amas-me?
Disse-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta minhas ovelhas.
Disse-lhe terceira vez: Simão Pedro, amas-me? Pedro ficou triste por lhe ter
dito terceira vez: Amas-me? e disse-lhe: Senhor, tu sabes todas as cousas, tu
sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas”.
Outras cousas
disse-lhe também o Senhor; destas, porém, chegou-se a entender que, a vontade
da nova marcha dos discípulos para Jerusalém, era do Senhor. Na seguinte noite
do tal sonho, Filipe teve um também do mesmo modo, que vira-se, ele mesmo em
marcha com o Mestre e os outros, caminhando para as festas de Pentecostes, do
que ordem precisa do Senhor se teve, juntando-se os apóstolos com a gente que
já em caravana caminho tomava da grande cidade. Das mulheres, porém, somente
Maria, a mãe do Senhor, caminho tomou de Jerusalém com os dois filhos que
estavam com os apóstolos e com João.
Sucedidas as cousas,
como ficou dito, de Pentecostes, com maior valor se dedicaram aos ensinamentos
das palavras do Senhor e do reino de Deus próximo. Todos os dias davam-se eles ao
ministério da palavra debaixo do grande pórtico de Salomão, no templo; o mesmo
lugar ocupado com eles pelo Messias. Não chamaram muito a atenção dos
sacerdotes nesse lugar, porém crescendo o número dos que recebiam a palavra e
eram batizados em nome de Jesus Cristo, começaram por querer fazer mal aos apóstolos,
até encarcerar a Pedro e a João.
Pilatos, porém,
grande severidade fez sentir nisto aos judeus, impedindo com forças as cousas
que em prejuízo dos cristãos queriam os sacerdotes. Já Pilatos tudo de seu
poder fizera por querer livrar da morte a Jesus e aos discípulos dele, e vendo neles
homens bons e de humildade em suas cousas, parecia-lhe dever defendê-los
perante a injustificada dureza dos judeus. Estes, porém, com muito
trabalho e mentiras, recorreram de Pilatos ao Imperador que teve de ir a
caminho de Roma para responder às queixas de seus governados.
Isto sucedeu no
princípio do ano 36, sendo que reunidos estavam em vida comum com os apóstolos
um grande número de crentes, chegando-se a ter que escolher alguns de maior
unção no meio destes para que das comidas cuidassem e de todas as cousas em
comum, enquanto que os apóstolos somente do ministério da palavra cuidavam.
Estes diáconos, assim
foram chamados, eram cinco. Todos grandes na fé e na vontade. Estêvão e Filipe,
porém, tiveram maior nome entre os tais, não somente pelo trabalho na
diligência das comidas e demais cousas em comum, mas também nos ensinamentos do
reino de Deus e do Cristo Redentor eram de muita ação em discursos e em discussões.
Em grande ódio por isso caíram eles entre os judeus, os quais já na prisão
haviam metido a Pedro e a João, tendo que soltá-los devido às ordens por
Pilatos dadas por não querer castigos para cousas religiosas.
Em maior ódio dos
judeus caíam por isto os cristãos, principalmente os chamados helenistas, por
quem os gentios eram convertidos nas doutrinas do Senhor. Assim, portanto, tão depressa
no fim do ano 36 afastara-se Pilatos de Jerusalém a caminho de Roma, prenderam
a Estêvão e deram-lhe morte por apedrejamento e entregaram-se também a grande
perseguição aos cristãos, principalmente aos helenistas convertidos.
Dispersão houve assim,
portanto, dos cristãos por toda a Judéia e Samaria e mais longe ainda, levando,
porém, a boa nova a todos os lugares; Filipe principalmente, não o apóstolo que
ficou com os outros em Jerusalém e com os hebreus cristãos, mas sim Filipe o
diácono. Dissolvida ficou assim a comunidade cristã que princípio teve na
metade do ano 33; não chegou pois a completar quatro anos.
Para tão grande
perseguição, grande prudência usaram os apóstolos e discípulos de Jesus e os
outros irmãos que no lugar permaneceram e silenciosa, portanto, ficou a igreja
de Jerusalém.
Nesses dias, porém,
que era no princípio do ano 37, aproximou-se dos cristãos um jovem chamado
Saul, o qual grande inimigo havia-se manifestado antes contra eles, tocado,
porém, pela graça dedicou-se com grande fervor ao ministério da palavra pelo
reino de Deus, trazido pelo Filho para salvação dos homens. Este Jesus era o
Messias prometido, o Cristo que martírio e morte sofreu para remissão dos
pecados.
A caminho de Damasco,
Saul, chamado depois Paulo, teve visão do Senhor, em forma de luz, que lhe
disse: “Saul, por que me persegues?” Nisto caiu por terra e, enfermo,
levantaram-no levando-o à presença do discípulo de Jesus, Ananias, que o curou,
pois que Jesus já no ano 29 a Damasco também fora e muitos discípulos fez. Em
Damasco já apresentou-se a falar por todas as partes em nome de Jesus e pelo
ministério que dele recebeu, como ele costumava dizer.
Grande confusão e
ódios entre os hebreus de Damasco suscitou, os quais a morte dar-lhe quiseram.
Fugiu, porém, Paulo a caminho de Jerusalém e quis juntar-se aos apóstolos, os
quais, porém, o temiam.
Barnabé, no entanto,
ouvindo as cousas a Paulo sucedidas, levou-o aos apóstolos e embora
desconfiados a princípio paz tiveram e em amor entraram. Tais cousas, porém,
ele por si mesmo melhor as disse. Assim, mais ou menos como quinze dias, passou
em vida em comum com os apóstolos e com Tiago, o irmão do Senhor. Partiu
depois, no cumprimento de seu ministério, que grande em verdade foi, a ponto de
dar-se-lhe depois o nome de: “O Apóstolo dos gentios”.
Não creio, porém,
como Pedro diz, que por Paulo salvou-se o cristianismo, pois que o cristianismo
no Evangelho estava, e este dos apóstolos galileus saiu. Também mesmo muitos
eram já os nazarenos, cristãos depois chamados, como ele mesmo em Damasco os
encontrou.
Diz-me, porém Pedro
agora, que do espírito do cristianismo que conheceis, quis ele dizer que Paulo
foi o maior, pois que o espírito do cristianismo apostólico era mais judeu que cristão,
pois que seguia as práticas todas do judaísmo, até o sábado e a circuncisão,⁹ as orações¹⁰ no templo de Salomão
e as outras cousas.
Justo é o dito assim
por Pedro, João reconheceu-o. Paulo, porém, muito estimado por nós, entre vós
está agora e muitos o têm reconhecido, mas ele, que o sabe, nega.
Embora sendo homem,
como espírito costuma manifestar-se longe de si, em certas ocasiões. Se assinou
Paulo comunicação, não pode vir como homem e dizer: eu Paulo sou. Muitas outras
coisas decerto Paulo têm sido e ele recorda-se sempre, porém, uns mais alto,
outros mais baixo, unidos todos estamos às ordens de nosso Mestre Jesus. O
Senhor, porém, nada escrito deixou, sempre dizendo: “A palavra falada muito
mais vale que a palavra escrita, sentida ainda mais vale que palavra ouvida”,
por isso foi, no entanto, que pouquíssimos discípulos reuniram depois os
escritos que iguais fossem aos dos discípulos que a palavra do próprio Jesus
ouviram e o sentimento dela, dele sentiram.
O trabalho de Jesus
na vinha do Senhor, como nos outros tempos, continua, manifestando-se com
maiores aclarações por intermédio de seus discípulos que, em turnos, cada um
toma corpo para nascimento entre vós. Eles também, porém, esquecimento têm do
passado, sendo que seu cérebro tão-somente a fotografia guarda das cousas pelos
olhos vistas e pelos ouvidos escutadas, e isto é a memória do homem desde o
nascimento. Nos sonhos, porém, e nos êxtases e outras maneiras de alcançar
maior liberdade para o espírito, nasce memória das outras vidas em outros
nascimentos do homem. Também é de considerar que nos poucos anos das crianças e
mancebos principalmente, escravo é o espírito do cérebro de seu corpo; em mais
largos anos do corpo, maior trabalho no seu cérebro fez o espírito e maior
domínio alcançou nele, a menor dependência chega assim o espírito de seu cérebro
e vêm, em certas ocasiões, à memória, as cousas de outras vidas. Isto, porém,
acontece aos espíritos de longa existência, não aos novos. Muitos há, porém,
entre vós que memória guardam das cousas de seus outros nascimentos. Vós
também, no que é costume chamar fantasia, recordações tendes em verdade do passado,
memória é, sem guia de consciência, portanto desordenada.
João, porém, que para
estas cousas dizer, tomou a personalidade do apóstolo, isto é, a pessoa do
discípulo de Jesus, dificuldade tem, portanto, devido ao seu adiantamento, de
agora, com clareza, das cousas daquele tempo ensinamentos vos dar. As maneiras
de falar naqueles tempos, de tal modo misturadas de dialetos e idiomas,
estranhamente apresentam os pensamentos dele. A sujeição,
portanto, a isto impôs-se para maior verdade das cousas que desses tempos veio
recordar. Para as cousas portanto desses tempos a palavra desses tempos
necessária é.
Sem fim o progresso
é; porém somente no bem está o progresso. Tudo bom é conhecer e em todo o
trabalho adiantamento para si recolherá o espírito, sempre, porém, com o propósito
do bem há de ser.
Aquele que chegar a
edificar sobre o amor para todas as suas cousas, o reino de Deus terá
alcançado. Tal é o que João deseja para vós e diz: Não vos aflijam as penas da
vida, pois que o vencer dificuldades com paciência, fé e vigor, do adiantamento
do espírito vem em proveito. Para isto, amigos tendes a vosso lado que vos
ajudam e Deus próprio, com os de boa vontade está sempre. Assim também não vos
olvideis que tudo aquilo que para o bem de vossos irmãos por vós seja
conseguido, em proveito de vós mesmos tudo virá depois.
E preciso acrescentar
às cousas que já João disse que do acontecido, tão diferente do por vós
acreditado, João somente tem aqui palavras; fê-lo, porém, nas cousas de maior
importância acontecidas, se portanto, dito foi por João que em Jerusalém os apóstolos
permaneceram até à dispersão de 70, não quer dizer que todos os apóstolos até
esse tempo em Jerusalém permaneceram.
Vem-nos assim à
lembrança que já no ano 37, Pedro e João foram a Samaria, Jope, Lida, Cesaréia
e outras cidades não muito distantes, indo aí no apostolado da palavra e a
outras cousas que eram do santo ministério deles. Pedro, já dito foi por João,
que discípulo foi melhor entendedor do espírito das palavras do Senhor. João
seguiu-o durante muito tempo, até por Antioquia depois, por onde Paulo e
Barnabé, pelos anos 44 e 45 a intenso apostolado já se haviam dedicado,
chegando a muito progresso essa igreja e fazendo-se, em muita abundância, o que
chamado é por vós fenômenos medianímicos, destes em mais ocasiões: inspiração,
visões, palavras ouvidas, sonhos, profecias, liberação dos espíritos imundos e
curas com imposição das mãos e oração e com o que é costume dizer agora por
vós: água magnetizada e azeite magnetizado.
Assim também devo
dizer que nesse mesmo ano 44, antes do fim de fevereiro, veio Herodes Agripa
para fazer cortar a cabeça de Tiago, irmão de João, e grande perseguição veio
durante este tempo sobre os nazarenos, e a Pedro também o quis matar, encarcerando-o
primeiro e levando-o depois em público para escarneamento, por ser Pedro cabeça
do que chamavam eles: nova seita.
Amigos seus, porém,
com grande influência, dirigiram-se a Herodes Agripa e este concedeu-lhes
secreta liberdade, pois não era de seu interesse a morte do apóstolo, sim antes
o propósito de ganhar para si a boa vontade do povo hebreu.
Sempre, portanto, que
Pedro afastado se encontrasse de Jerusalém, Tiago, o irmão do Senhor, que a
grande autoridade havia chegado, vinha ocupar o lugar primeiro entre os
apóstolos.
Estava certamente no
espírito da fé do apóstolo Tiago mais dependência da lei antiga que cristã
unção em sua alma, e principalmente dado às cousas do Judaísmo, grande oposição
fazia muitas vezes a Pedro em tais cousas; adepto era da circuncisão, nada
amigo do ministério da palavra entre os gentios e opositor também, em certas
ocasiões, das tais cousas de Paulo.
De todo, ficou enfim
Tiago chefe dos anciões, enquanto que a igreja de Jerusalém vinha em decadência
e a grande desenvolvimento chegava a de Antioquia, onde se começou a chamar
cristãos aos adeptos, que chamados eram nazarenos em Jerusalém. De Antioquia,
depois no ano 38, Paulo, Barnabé chamado também Barnabás, e João Marcos
discípulo de Pedro que de Jerusalém a Barnabé acompanhara, caminho tomaram para
terras dos pagãos, entregando-se com grande entusiasmo e todo o poder da fé, ao
apostolado de Cristo; de Chipre, Malta, Puzzola e outras terras, até Roma e
cidades vizinhas, Paulo principalmente, e por fim só, ao mais importante
trabalho do ministério divino da palavra e demais cousas que em nome do Senhor
dirigia, viu-se entregue, sendo dele a conquista espiritual das terras
visitadas, sendo portanto dele a semente e o fundamento da igreja do Ocidente.
Isto, para dizer, portanto,
João veio, não por intenção da história que bastante é de vós já conhecida, mas
sim para esclarecimento do que ele antes neste mesmo lugar disse, sendo que os
tempos que ele para mostrar veio, pelo mau conhecimento vosso fez, para que portanto,
os anos citados por desconhecidos não sejam tomados.
É por isso que, das
cousas mais distantes e em maior dúvida, vosso João falar-vos veio e para
conclusão agora este aclaramento último acrescentar.
Se Paulo portanto
grande foi nisto e grande foi desde seu princípio na doutrina, ainda mais
cristã no espírito das idéias dele que as doutrinas dos nazarenos, os quais, os
anciões e os chamados hebreus, assim chamados ainda eram em Jerusalém, e certamente
mais judeus que cristãos mostravam-se ainda.
Se Paulo, porém,
grande foi, não em menor grandeza há de ter-se a Barnabé que o compreendeu no
primeiro momento, quando, aproximando-se dos apóstolos em Jerusalém, estes o
temeram e tão somente aquele o apresentou recomendando-o aos próprios anciões.
Por tal motivo viu-se confirmado o ministério de Paulo que, portanto, de
Barnabé toda força teve, pela justificação de seu apostolado nas cousas que do
próprio Jesus recebeu e assim também, mais tarde, fé e força toda dele recebeu
durante o tempo que Paulo, por causa da contradição dos que ainda eram partidários
da circuncisão e conduzidos eram pelo espírito em hebreu, pelo qual arrastado
se viu o próprio bom Pedro, em silêncio resolveu permanecer, por ter
compreendido que se a lutar por suas idéias se decidisse, divisão e ruína
adviriam para a Igreja de Cristo, porquanto faltava-lhe humildade no
submeter-se aos apóstolos.
Barnabé, porém, fez-se
pequeno e humilde para o engrandecimento da obra do Senhor, aproximando-se a
Paulo, que retirou-se para sua cidade de Tarso¹¹ e o apóstolo, certamente para maior grandeza
de seu apostolado, humilhou-se a Paulo não apóstolo e subordinado a ele colocou-se,
alcançando assim conquista do espírito ressentido de Paulo, de quem a fé em seu
apostolado estremecida quase pareceu.
Muito poucas cousas
Barnabé e João Marcos escreveram e a perderem-se essas poucas cousas chegaram,
ou em parte misturadas estão sem distinção com as cousas por outros escritas.
Sucede, porém, como
já dito foi, que maior valor à tradição tem-se dado do que àquilo que a
escrever-se chegou, e para repetir também João veio, que para maior
aproveitamento da palavra ouvida o homem veio, que da palavra somente
compreendida, sendo portanto que “só pelo amor será salvo o homem”.
A paz do Senhor seja
convosco.
JOÃO O VELHO
Apóstolo de Jesus
Cristo.
¹ Que é conhecido por André.
² Deve referir-se à seguinte passagem
da Vida de Jesus, 2ª Parte: “A superstição e o desejo do maravilhoso, fomentados
pelas fantasias de um discípulo que muito longe se encontrava dos verdadeiros
propósitos do Mestre, rodearam a minha pessoa dos prestígios da divindade, pela
divulgação de falsos milagres, concorrendo com isto a que corresse o povo ao
encontro do portador da boa nova do novo profeta, do Messias tantas vezes anunciado”
etc.
³ “Admiremos e adoremos os desígnios de
Deus, que de tudo e todos os momentos fazem brotar o bem e o amor, a harmonia e
a luz, ainda quando tudo parece desfalecer e até quando a morte põe seu selo,
aterrador para vossos olhos como cortando toda a esperança e matando a fé; é
então quando tudo rejuvenesce e se renova no Pai e pelo Pai, que é finalmente,
o principio e o termo de todas as coisas.” (Vida de Jesus, 2ª Parte).
⁴ É sabido que a personalidade atual de
um espírito é a resultante de todas as personalidades que teve, porque a
diversidade de condições de cada encarnação e o esquecimento do passado
determinam de certo modo mudanças de personalidade, por mais que cada homem
traga em si o substratum de todo o progresso adquirido e guarde inalterável o
seu caráter. O espírito toma pois todo o progresso adquirido e a lembrança de todas
as suas existências. Agora o que João quer dizer, é que, para ser inteiramente
fiel à verdade, esqueceu-se de suas encarnações posteriores, fixando-se na que
teve então; daí também a forma antiquada de seu modo de escrever. — Nota do Sr.
Rebaudi.
⁵ Isto indicaria apenas um simples
fenômeno de mediunidade auditiva, sendo que então tais fatos eram atribuídos ao
“anjo de Deus”. Dada a transcendência da missão de que Jesus estava
encarregado, nada de extraordinário teria o fato da anunciação se o despojarmos
de toda a idéia do sobrenatural, de que foi rodeado, porque outras anunciações
têm tido e têm lugar em casos de muito menor importância. Unicamente é
necessária a mediunidade.
⁶ É este um conceito que em todas as
comunicações aparece, ainda que de formas diferentes, isto é: que nenhum dos
espíritos que encarnaram sobre a terra alcançou a elevação de Jesus. — Nota do
Sr. Rebaudi.
⁷ Agora mesmo existe entre nós mais de
uma pessoa que pode manifestar-se a grandes distâncias, logrando ser vista em algumas
ocasiões, percebida por seus fluidos mais freqüentemente, conseguindo
proporcionar melhoria ou alívio sempre. Se isto podemos fazer nós, o que não
faria Jesus? Deve-se observar que não são os conhecimentos científicos e
filosóficos os que conduzem à aquisição destes poderes. Eu desafio a que se me
apresente alguém que tenha exercido a magnetoterapia com inteiro altruísmo,
como um apostolado durante uns vinte anos e que não tenha esta faculdade. —
Nota do Sr. Rebaudi.
⁸ Segundo a concepção de Jesus, Deus é
a fonte de toda a verdade e de todo o bem; tudo, pois, o que alcançarmos em tal
sentido o alcançamos dele, mediante os nossos merecimentos, isto é, o positivo,
e nisto está a vida do espírito, porque quanto mais alcança, maior é a sua
personalidade. Jesus nos trouxe, de uma maneira concreta, a idéia da personalidade
independente do corpo e evidenciou a sua consciência. Na consciência já assim
formada e na tendência também desenvolvida para as manifestações do espírito, resulta
alcançada a vida eterna na ação pessoal permanente. Resulta assim tê-la trazido
Jesus do Pai, que tem vida eterna. O mal é o negativo, a falta de todo o bem e
de todo o progresso é o pecado.
Os espíritos imundos, as enfermidades
e o pecado se encontrariam juntos. Coisa curiosa!
As observações feitas na Sociedade
Científica de Estudos Psíquicos demonstraram a
analogia dos fluidos de um
febricitante com os de um criminoso. — Nota do Sr. Rebaudi.
⁹ É bem sabido quanto se censurava a
Jesus suas contínuas violações do sábado e quanto à circuncisão, embora ele
próprio tivesse que submeter-se a ela, o simples fato de sua preferência pelos
gentios incircuncisos, demonstra que não era partidário dela, como que jamais
tampouco sobre ela pronunciou palavra. — Nota do Sr. Rebaudi.
¹⁰ Pelo que diz respeito à oração,
recordem-se suas palavras à Samaritana: “A hora vem, quando nem neste monte nem
em Jerusalém adorareis ao...” “a hora vem e agora é quando os verdadeiros
adoradores adorarão ao Pai em espírito e em verdade; porque...” — Nota do Sr.
Rebaudi.
¹¹ Paulo era de Tarso, porém vivia então em uma cidade
próxima a Jerusalém — Nota do Sr. Rebaudi.