A comunicação que eu
dei, poucos dias faz,¹ para ser incluída
nesta transcendental obra, dada com a sinceridade que me é característica,
resultou um tanto dura para o elevado critério do Messias, por sua índole de
severa justiça.
Disse-me o Mestre: “Reconheço
o mérito e a veracidade de teu trabalho; mas minha obra não é obra de
julgamento mas sim de amor”. — “Eu não vim para julgar, senão para semear o amor
entre os homens.” — “Guarda-a, pois, em estrita reserva, para os que tenham que
levar a cabo o restabelecimento da justiça, no que dela tinha ficado velado
pela ação do tempo e da malícia humana; e traze para a obra somente a
elucidação dos pontos de que te encarreguei, porquanto a tua comunicação, como
as dos outros Apóstolos e a de Maria, constituem capítulos da mesma, como que
desenvolvendo-se dentro da ordem e estrita continuidade dela”. — “Graças devo
dar a Deus; continua o Mestre, pela estrita verdade conseguida em tudo isso com
o médium que me serve de instrumento, pois no livro inteiro não passou uma
única palavra que não seja minha, de Maria ou dos Apóstolos, que nele
colaboraram.”
“Louvado seja o Senhor que assim consentiu que
minha volta entre os homens, desta forma, resultasse tão real e verídica, como
se eu mesmo ressuscitado em corpo, vos tivesse falado com meus próprios lábios.”
Confirmadas com o que
fica dito, as palavras de Jesus, passarei a ocupar-me do tema que encabeça
estas linhas, repetindo somente, com respeito à minha outra comunicação, que
deve levantar-se a Judas o cruel julgamento que sobre sua memória pesa, porque
sua traição foi unicamente o efeito de sua fraqueza diante das sugestões
malignas que continuamente o trabalharam, sob o esforço de interesses
inconfessáveis.
Ninguém ignora que há
em nós uma dupla consciência, efeito de nosso atraso, a consciência do espírito
livre e a do encarnado; ainda devemos admitir uma consciência intermédia, a consciência
do espírito do encarnado quando se desdobra, parecendo que, quando dormis ou
simplesmente estais distraídos, vossos espíritos se encontram muito longe do
corpo, atuando conscientemente fora dele. É claro que não pode existir a recordação
da sua atuação, desde o momento que o cérebro não recebeu impressão alguma a
respeito dela, sendo sabido que a memória do homem é somente cerebral.
Bem se diria
afirmando que o espírito atua com uma nova personalidade em cada encarnação,
pois que o cérebro vai recolhendo paulatinamente todas as impressões que lhe
chegam do exterior pelo contínuo e agitado movimento do meio que o cerca.
Pelos órgãos do
ouvido, da vista e do tato, sem cessar se vê impressionada a massa encefálica,
onde tudo se grava e se associa de acordo com as diversas circunvoluções que a
formam, constituindo-se assim a memória, o juízo e o raciocínio.
Verdade é que tudo
isto tem lugar sob o controle do espírito, porém ele, não dispondo de outros
meios para a sua realização e manifestação dentro do mundo de que forma parte, deve
conformar sua consciência dentro do círculo que tais meios lhe oferecem. Tudo o
que o homem tem gravado no cérebro constitui, portanto, as suas recordações,
seus conhecimentos e os materiais para a atuação de sua consciência, que
resulta, como se vê, muito diferente da verdadeira consciência do espírito.
Para nós não existe a
divisão do tempo que regula entre os homens, e somente nos guiamos pela
sucessão dos fatos, no meio dos quais temos vivido e que de certo modo forma a
parte de nossas atividades; por isso não calculamos as idades e é assim que, fazendo
talvez uns trinta e tantos anos, segundo ouvi dizer entre vós, que deixei minha
envoltura corporal, parece-me entretanto que ontem vivia ainda com os homens,
razão, precisamente, que induziu o mestre a encarregar-me do tema proposto,
porque deveria eu elucidá-lo mais humanamente que os outros Apóstolos.
Disse já que na minha
última encarnação fui Rafael Fernández, tendo-me ocupado não pouco, ainda
quando universitário, de assuntos filosóficos e religiosos, em estreita relação
com o cristianismo, fazendo assim justiça ao meu passado e às benéficas
influências do Mestre, muito longe estava entretanto de acreditar que tal
atuação constituía, de certo modo, uma recordação do que, uma vez deixada a
matéria, havia de encontrar-me aqui e que muitos sonhos e fantasias de minha
vida, que eu considerei faltos de fundamento, constituíam na realidade verdadeiras
recordações do passado, resultando assim ter sido mais consciente nos momentos
em que me havia considerado privado de toda a consciência. Sem dúvida, em
muitas circunstâncias da vida humana nos assaltam, sem nos apercebermos,
recordações do passado, sendo que falta-lhes o controle da consciência, como
disse João devido a que a consciência humana unicamente pode desenvolver-se
dentro dos elementos que lhe emprestam as impressões cerebrais.
Como se vê, a dupla
consciência é um efeito natural do esquecimento do passado e é necessário que
este vá modificando-se, a fim de que o espírito possa trabalhar com eficácia no
sentido do seu verdadeiro progresso.
Paulo descobriu que,
o que ele chama desdobramento voluntário, quer dizer, a faculdade de
desdobrar-se quando se deseja, durante a vigília, é o que mais ajuda para a
recordação do passado. Por isso ele formou escola em tal sentido, indicando os métodos
para o caso. Este bom companheiro, apesar da recordação que guarda a respeito
do passado,² chegou a esquecer-se
do seu mandato, de tal forma que, devido aos seus estudos e ao ambiente científico
que o rodeava, chegou a olhar com desprezo o próprio Mestre, a ponto de
apontá-lo como um vagabundo, por não ter lar nem meio de vida conhecidos.
Era, dizia, um
iluminado ignorante que arrastava massas mais ignorantes do que ele. Eu o digo,
porque ele próprio o confessa. Verdade é, segundo afirma, que suas recordações
a respeito do passado, recentemente começaram a manifestar-se e com nitidez aos
trinta anos, aclarando-se e manifestando-se com muita facilidade depois, devido
à sua mediunidade e à faculdade de desdobramento que conseguiu dominar quase
por completo.
Três vezes, refere
Paulo, em seus desdobramentos não pôde voltar a seu corpo e que, se não fosse
pela intervenção dos bons espíritos que o introduziram em seu organismo, com a
maior facilidade teria morrido.
Os espíritos
aconselham que se avise os Protetores antes de entregar-se um encarnado a
exercícios de desdobramento em estado de vigília. Os espíritos protetores são
os que antes se chamavam anjos guardiães, pois se consagram especialmente na
custódia dos homens e eles são os que, durante o sono, ajudam os espíritos dos homens
a separarem-se da sua envoltura corporal para que deixem por alguns momentos a
materialidade da vida humana e gozem de certa liberdade espiritual, comunicando-se
com os seres queridos que os precederam no Além e de quem recebem novo alento
para as lutas da vida material assim como ensinamentos e conselhos.
Certamente que, disto
não se lembra o homem ao despertar, porque o cérebro não pode guardar
impressões do que não passou por ele, porém sempre fica um reflexo disso, o
estado de intuição ou disposição favorável para o que se há de fazer. Não se
deve crer que durante estes desprendimentos o espírito do encarnado vá atuar
realmente no plano espiritual, mas sim em um plano intermediário a que Paulo
chama plano fantasmático ou simplesmente plano extracorporal.
Fantasmático o chama
porque é o plano dos fantasmas, esse ambiente em que conseguem tornar-se
visíveis os que costumam chamar fantasmas, que as crianças mais sensitivas que os
adultos vêem com terror, enquanto que não são mais que espíritos de pessoas
vivas, os quais tornam-se visíveis algumas vezes para todos, devido ao corpo
fantasmático, que os envolve, formado pelos fluidos vitais do corpo mediante os
quais o perispírito se liga ao corpo.
Os fantasmas que são
visíveis também podem ser fotografados, como muitas vezes se havia feito já
durante a minha última encarnação. O espírito do encarnado, desdobrando-se,
pode dar comunicações aos vivos, mediante a ajuda de seus protetores.
Paulo as tem dado
umas vezes com este nome e outras, que são a maioria, com o atual nome. Não
deve confundir-se o citado plano intermediário com o que os espíritos chamam
zona limite, que separa um plano do outro e cujo ambiente é algo aterrador por
sua atividade combatente. Daí vêm geralmente os pesadelos, quando mal desdobrado
o mortal, pelo mau estado de sua saúde muitas vezes, o acompanham fluidos afins
com tal plano; mas não é esta a oportunidade para tratar de tal assunto, direi
antes, que muitas vezes conseguem os protetores, depois de um bom desprendimento,
que o encarnado guarde a lembrança de sua atuação durante o desdobramento e
então dizeis ter tido um sonho lúcido. Nada se recorda geralmente do sono
profundo e é porque o sono unicamente é profundo quando o espírito do encarnado
atua distante do corpo.
A mediunidade, assim
como facilita o desdobramento, facilita a lembrança do passado, do mesmo modo que
a influência dos desencarnados é muito maior nos médiuns que nos que não o são.
Por outra parte, as boas influências que sempre acompanham as pessoas que
sempre levam uma vida regular e de bons procedimentos, favorecem grandemente
tudo o que se refere ao medianismo e aos desdobramentos, sem que por isso deixe
de ser necessária a prática de tais faculdades para obter seu desenvolvimento.
A zona limite
encontra-se cheia de espíritos inferiores e também de espíritos sofredores que,
por suas condições momentâneas, se encontram à altura desse meio ambiente;
sofrem talvez um castigo, ou seus perseguidores, sempre de má-fé, se aproveitam
deles, em virtude da malfadada lei de talião, para fazerem sofrer repetidamente
suas faltas aos espíritos fracos e imprudentes. Faz-se-lhes recordar a sua
dívida, apesar de já a terem pago, exigindo-lhes novo pagamento. É indubitável
que os espíritos que assim sofrem purificam-se nesse ambiente e progridem.
A lei de Deus é lei
de amor e de progresso, mal pode atribuir-se-lhe portanto a paternidade da lei
de talião, lei de vingança e de retrocesso; tudo se paga indubitavelmente e em verdade
o mal que se faz aos outros redunda sempre em sofrê-lo por fim o seu autor, mas
não da maneira que os homens supõem, pois somente o bem é boa moeda; o
sofrimento é conseqüência do mal que se fez, mas o mal feito, unicamente com o
bem se redime.
Bem disse por isso o
Mestre: “Só pelo amor será salvo o homem”. Na zona limite de que nos
temos ocupado, emprega-se uma gíria quase falada, incompreensível para vós. Daí
é que vem a palavra colpino e desta deriva-se o verbo colpinar. As enfermidades
dos homens, para eles são devidas a colpinamentos.
Esses espíritos
parasitas que vivem entre os homens e a expensas dos mais fracos são colpinos.
Indubitavelmente tudo é um dano, tudo é mal que eles fazem, porém o que é
preciso notar é a hipocrisia com que procuram justificar o dano que causam.
A indicada palavra
vem de culpa, quer dizer que o colpinado sofre a conseqüência de uma culpa;
eles são pois os juizes que avaliam a culpa e a castigam sempre em benefício próprio.
Para nos defendermos
destes colpinamentos, que podem realmente dar lugar a um sério mal, encontramos
o seguinte: Pode doer ao colpinado um membro ou toda a extensão de um músculo, uma
artéria ou um nervo, porém procurando, encontra-se o ponto bem circunscrito,
muito mais dolorido. Comprime-se fortemente com um dedo esse ponto enquanto se
detém a respiração o mais que se possa, e se repetir a operação várias vezes ao
dia, com este processo quase sempre desaparece o mal. Deve-se recordar que,
detendo a respiração, se desenvolve uma grande energia magnética.
A região, mais que
qualquer outra, escolhida para os colpinamentos é a cabeça, a seguir os
intestinos e depois o coração. Pelos intestinos se colpina também o coração e
pela cabeça se colpina todo o corpo.
Os homens que levam
vida inativa e são de caráter débil vivem sempre colpinados; porém ninguém se
livra absolutamente desses parasitas espirituais.
Guardando a lembrança
do passado, todas estas cousas se evitariam, ao passo que agora até difícil nos
é fazer-vos compreendê-las, porque estais sempre dispostos à incredulidade a respeito
do que não podeis ver, pela enorme diferença que existe entre o corporal e o
extracorporal.
Desenvolvei, pelo
menos, vossas aptidões para o magnetismo curativo, com o qual não somente
podeis fazer muito bem mas também chegareis ao mesmo tempo a desenvolver as vossa
aptidões psíquicas, porém ao magnetizar, tende cuidado com quem o fazeis,
porque se um mau magnetizador transmite um grave perigo, não é menos grave o
que ameaça a um bom magnetizador quando pretende beneficiar um ser inferior. É
o mesmo que com a caridade, que é preciso ver a quem e como se faz a caridade,
para não sermos vítimas, como muitas vezes sucede, do bem que se fez.
Muito estranho vos
parecerá o que fica dito e é, porque tendes cheia a cabeça de máximas e teorias
que muito longe estão de ser o resultado da prática.
Eis um fato: Entre
meus amigos conto com o espírito de uma que foi virtuosíssima irmã franciscana,
muito adiantada, ela dizia: “primeiro está a obrigação que a devoção”, e
quando havia enfermos pobres para atender, dizia a suas subordinadas: “a missa,
a confissão e a devoção, tendo enfermos para atender, são esses mesmos
enfermos. — A prática da caridade é a devoção por excelência”.
Devido a tal proceder
quiseram tirar-lhe o hábito e dissolver a sua pequena comunidade, porém ela
resistiu e, não querendo recorrer à autoridade civil, continuou com sua idéia
até morrer. Pois bem, sofre agora muitíssimo pela perseguição de uma multidão
de espíritos inferiores por ela favorecidos.
Reclamam-lhe, exigem-lhe
o que ela lhes não pode dar. Perseguem-na e a oprimem, sem deixar-lhe um
momento de repouso. Ela diz: “não tenho forças para afastar esta avalanche
de seres inferiores e que se julgam com direito sobre mim porque pela caridade
rebaixei-me até seu próprio nível”. “Crêem que o bem que lhes fiz não foi por
bondade mas por obrigação que julgam subsistir ainda.”
Todos nós cercamos e
ajudamos a virtuosa irmã, proporcionando-lhe momentos agradáveis, porém ela
terá que voltar à Terra, já o compreende, para desenvolver as faculdades que
lhe faltam, entre outras a do são critério de como, quando, e a quem se deve
fazer a caridade. E onde está a justiça divina? — se dirá. “Ajuda-te, que Deus
te ajudará, é o rifão aplicável aqui.” A justiça de Deus cumpre-se na
eternidade. Essa boa irmã não chegou ainda a merecer a felicidade, porém
alcançou já muitos títulos para isso.
Com valor e
constância, todos chegaremos à meta, entretanto muito há que aprender e
experimentar. Muito tino faz falta em todas as cousas, até para fazer o bem,
porque este pode converter-se em mal.
Levantando e
favorecendo, por exemplo, um malvado com aparência de bom, podemos armar um
inimigo do bem, talvez encaminhar um déspota, em seus primeiros passos, para as
alturas, para sermos depois suas primeiras vítimas.
Enfim, eu quis com
esta modesta comunicação juntar a esta magna obra um tanto prática se se quiser,
humana, e em verdade eu próprio termino por julgar-me homem e vivendo no meio
de vós.
Seria para mim uma
grande felicidade haver atingido meu fim.
Que Deus seja
convosco.
MATEUS, Apóstolo.
¹ Dita comunicação, editada em folhetos,
à “Associação Cristã Providência, Biblioteca Pública” a envia grátis.
Solicite-a, calle Herrera 1680. Buenos Aires.
² Sabemos que em certa ocasião levou ao
Doutor Cosme Marinho, Diretor da Revista “Constância”, um artigo referente a um
sucesso do qual tinha sido vítima havia uns outros mil anos; pedia-lhe a sua
publicação por tratar-se de algo que a história parece negar, tendo a certeza
de que as escavações que se fazem no Egito confirmariam as suas afirmações. (A publicação
não se fez.) — Nota do Sr. Rebaudi.
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