Queridos irmãos meus,
algumas cousas vos hei manifestado já dos espíritos que deixaram seu corpo no
meio do mundo da matéria para viver como espíritos dentro de suas famílias de
espíritos. Agora volto novamente para acrescentar alguma cousa mais ao que
ficou dito: porém, preciso é que entendais quão dificultosa é a compreensão do
que em uma esfera acontece para os que na outra esfera¹ habitam.
A idéia do que vós
chamais mitos comporta, em geral, muito mais verdades do que vós exageradamente
supondes. Quer dizer que vós vedes na criação de mitos, mitos que dão forma até
a personalidades sem existência real e unicamente para dar forma ao mito. Os
povos que alcançaram essas concepções, possuíram também homens que a essas
alturas chegaram, sendo que os rodearam, como à minha própria pessoa rodearam
também, do aparatoso recurso do milagroso e sobrenatural. Quando, pois, encontraram
os contemporâneos, na tradição ou história dos homens que existiram, grande
quantidade de fatos meritórios e muita grandeza de alma confundidos com fábulas
do sobrenatural e milagroso, repeliram tudo como se tudo fábula fosse e tal repulsão
era por não quererem fazer trabalho de investigador para separar o verdadeiro
do falso. Assim, pois, muito grande exagero se produz definindo como mitos o
acontecido com Homero, com Pirro, com Alexandre, com Sócrates, Arquimedes,
Cícero, César e todos os grandes homens que a Humanidade teve.
Grande exagero, portanto,
é também e mui torpe juízo o dos que à conta de mito também levam a vida e
obras de Jesus. Loucos somente poderiam compreender semelhante afirmação quando
testemunhos tão numerosos aparecem da realidade de Jesus e quando o elemento espiritual
humano logicamente comporta, desde muito tempo, personalidades de tais
elevações como as que a Jesus se atribuem.
Porém, mais custa
fazer trabalho de investigador para a separação do falso e do verdadeiro que o
de adornar um pouco melhor a realidade, sem muito procurar e menos pesar e
analisar para fazer de tudo um simples mito... Com que facilidade é dada assim solução
a todas as cousas pelos espíritos simplistas! — Mas a verdade é sempre a
verdade e não pode resultar de arranjos artificiosos, senão que, unicamente
como é, há de ser. Não procureis, pois, dificultar a verdade, ó homens
incapazes de senti-la ou concebê-la! Pois tanto mais próximo dela vos
encontrareis quanto maior seja vossa sinceridade e mais simples os caminhos por
onde a procureis.
Assim, portanto, Jesus veio ao mundo como todo homem vem
a ele.
Nada há que confirme o que se diz referente aos acontecimentos de que se teria
rodeado seu nascimento e tanto de infantil comporta o juízo dos que viram o
sobrenatural em abundância misturado com o nascimento e vida de Jesus, como o juízo
dos que, aceitando as aparências disto como se o milagroso se devera ver
confundido com tudo o do Cristo, tratavam depois como um mito a personalidade
do Mestre. Não era de melhor juízo, de juízo mais sensato, o estudar as cousas
para assinalar a Jesus no justo lugar que lhe era devido, em vez de convertê-lo
em uma personalidade impossível, para qualificá-la assim de mito, introduzindo
um erro grave na história humana?
É o mesmo o
desfigurar a história de uma pessoa como o de fazê-la passar por um mito, o que
em verdade conseqüência é do primeiro, obra de mentira é unicamente.
Assim também, em
muitos outros casos, quase em todos poderia se dizer, a personalidade ficou
escondida pela confusão de acontecimentos sucedidos com outras pessoas e em
outros tempos.
Mas o fundo comporta
a verdade sempre e não é mito. Colocam-se justamente os maiores mitos em meios
de povos menos capazes de criá-los.
Em algumas ocasiões
certamente, há fundamento no reconhecimento de mitos, mas muitas vezes os
homens, incapazes até de compreenderem certas ações elevadas, fazem-nas formar parte
entre os mitos, e mitos são também os seres capazes de pairar nessas alturas.
Sem dúvida, minha
vida e minha obra sofreram uma forte alteração ao passar novamente, depois de
minha morte, da Índia a Alexandria, à Grécia e à Roma. Os acontecimentos foram ganhando
prestígio, alcançaram novas modalidades, de modo a encontrarem-se em Alexandria
pontos de coincidência entre a nova revelação trazida pelo Filho de Deus e as
velhas crenças do remotíssimo Oriente, retrotraindo depois o próprio nascimento
e atuação do Messias a esses tempos antigos, mudando tudo em uma só cousa, que
confundiram, fazendo de tudo carne com a pessoa de Jesus, a qual se converteu
em uma cousa estranha para ele mesmo.
Assim foi a concepção
virginal de Maria; a morte dos inocentes; a segunda pessoa da Divindade, sendo
também Deus; os cegos que partiam vendo, os surdos que ouviam; os paralíticos
que se levantavam e andavam; os mortos que ressuscitavam... Nada disto, nada,
crede-me em nome do vosso Deus e do meu, em nome do vosso Soberano e do meu, em
nome do vosso Pai e do meu, nada Jesus fez, e ninguém tampouco, posso
assegurar-vô-lo também, ninguém tampouco antes o fez, porquanto as leis eternas
e imutáveis de Deus não estão sujeitas a contradições nem sequer só por um
momento. Assim também, e somente assim, pode a perfeita justiça ter no Universo
inteiro seu absoluto domínio, porquanto pequenos desvios do reto caminho
convertem-se em desvios infinitos quando do infinito se trata; vê-se certamente
o ponto de partida, mas não o de chegada e só se percebe que a linha tanto mais
sofre desvio, quanto mais por ela se avança. Quer dizer isto, que se as leis de
Deus chegassem à possibilidade de modificações, prova seria da sua falta de
perfeição e que a conseqüente mutabilidade tiraria toda a fixidade ao plano da Criação.
Certamente, o conhecimento perfeito das leis de Deus proporciona ao possuidor
meios para a execução de feitos grandiosos, impossíveis ainda de conceber por
vossa inteligência atrasada, mas eis que aos seres que a tais alturas nos conhecimentos
chegaram, preferível é colaborar, desde já e desde que tal progresso
alcançaram, na obra imensa da evolução universal, antes que descer à Terra para
fazer exibição de seu poder e de sua habilidade, entre o sobressalto da
população infantil que povoa vosso diminuto planeta. — Oh, não! ... Não
pretendais o absurdo e o impossível!... Muito infantil, deveis já compreendê-lo,
é a idéia de um Deus abandonando o Universo para encerrar-se em um invólucro
mortal, e diminuir todos os seus atributos até o ponto de igualar-se aos
povoadores, tampouco inteligentes, deste pedaço de terra, com o fim de
consagrar-lhes, a eles exclusivamente, toda a sua infinita grandeza, chegando
até a violar suas próprias leis, antes imutáveis, para que compreendam, creiam e
se salvem; e como ainda tudo isso não é suficiente, entrega-se...ele, o único
que é realmente... ele, o Infinito, o Absoluto, o que não pode deixar de ser
nem um instante, nem sofre mudanças, ele... Deus, feito homem, entrega-se à
morte corporal, para que o homem viva vida espiritual! —
Não vedes que até
blasfêmia contra Deus é o uso de tão pouco respeito para com sua excelsa pessoa?
É que acontecido tem para com a idéia religiosa entre os homens, o mesmo que
com a evolução dos demais conhecimentos.
Quer dizer, que de
seu embrião tem ido e seguirá elaborando-se até chegar às alturas que lhe
correspondam, mas em seu longo percurso, a ignorância e o fanatismo foram-na
ataviando de maneira impossível e as falsas interpretações, mais tarde, desfiguraram-na
muitíssimo mais. Eis que depois, ao passarem minhas doutrinas da Índia para os
povos do Ocidente, quiseram embelezá-las ou dar-lhes maior importância,
acrescentando-se o que nas antigas religiões do Oriente se ensinava a respeito
da trindade e outros princípios que, como vos disse, eu não havia ensinado.
Assim resultava também minha própria pessoa muito adulterada, escrevendo-se
também o que chamado foi Evangelhos, com toda essa alteração que vos digo e que
não poucas falsidades contém.
Nas comunicações que
antes Jesus deu, isto dito não está, porquanto, se ainda não atacando os
Evangelhos, acreditada não era minha palavra, muito menos o teria sido se em
oposição a esses escritos se tivera ela desde o princípio revelado. O tempo é chegado,
entretanto, de dar seu lugar verdadeiro a cada cousa, e repito-vos ainda, que
ver-se-ão estas minhas novas aclarações e ensinamentos, espalhados no orbe
inteiro, por aqueles mesmos que até ontem deixaram de ouvi-los e os negaram,
incrédulos de sua verdadeira origem.
¹ Quer dizer sem dúvida plano. — Nota do
Sr. Rebaudi.
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