Queridos irmãos meus:
Bem sabeis, pois já vô-lo disse, que muito maior extensão e muito mais tempo
levaram as obras de meu apostolado do que os homens guardam memória. Muito
pequena em verdade foi a obra do Messias, se no que escrito está, somente se
encontrasse compreendida. Porque certamente todo o seu tempo ocupava-o Jesus em
suas sementeiras por toda a herdade do Pai que lhe coube palmilhar. Assim foi
nas longínquas terras, mais além de Filipópolis,
Cesaréia e Tiro, mais além ainda de Sidon e Damasco, até pelos confins da
Síria. Mas careciam ainda nesses tempos da necessária unidade os ensinamentos
de Jesus, os quais se iam entretanto orientando para formas mais bem definidas,
inspiradas pela própria ignorância dos povos que ele visitara e que mudos e
estáticos permaneciam ante suas entusiásticas demonstrações, mais
impressionados que amestrados por elas.
Tão depressa arrancava
o Messias suas calorosas arengas dos esplendores do firmamento, de onde as
infinitas moradas da casa do Pai se preparavam para receber seus filhos da
longínqua Terra, que o quisessem adorar em espírito e em verdade; tão depressa
recebia seus ensinamentos das harmonias da Natureza; tão depressa deduzia da
razão pura seus argumentos ou aproveitava, como ponto de partida, as misérias e
as injustiças de que os pobres eram vítimas, e até da própria paixão que corrói
os espíritos, arrancava vibrantes demonstrações em favor da fraternidade e para
os esplendores do brilhante porvir que aos resignados, aos humildes, aos
caritativos, aos Messias de fé, tem o Senhor reservado.
Estes sermões cheios
de entusiasmo, porém muito difusos as mais das vezes e abundantes em
abstrações, impressionavam vivamente o meu auditório no princípio, mas
fatigavam-no depressa, revelando-se-me sua falta de atenção pelos olhares vagos
e os semblantes distraídos. Os povos da Judéia mais facilmente recebiam a
palavra do Messias, porquanto eram-lhes mais familiares as questões da religião
e maior era o costume entre eles no que respeita aos trabalhos dos sacerdotes,
dos oradores sagrados e dos mestres particulares ou livres que os mantinham em
prática no que se refere a essa espécie de certames exteriores ao templo,
embora mantendo estreita relação com ele.
Esses outros povos
eram de maior movimento mercantil, mais dados às tarefas da vida e com maior
indústria de fiação, mercadorias, peles, artigos de bronze, barro, madeira,
etc., porém pouco dados à instrução e cheios de espantosas superstições que pouco
favorável relação guardavam com os ensinamentos de Jesus. Era entretanto
evidente o desejo dessas gentes de escutar a palavra do estrangeiro e de
compreender seu alcance, assim como ele de inspirar-lhe sentimentos de afeição
para eles, sendo que logo que deixavam de ouvir ao orador, voltavam a tomar o
lugar de seus ensinamentos, as velhas superstições prestigiadas pela recordação
dos antepassados.
Certamente Jesus ia
conhecendo os homens e aprendendo os caminhos para chegar a seu entendimento e
alcançar seu coração; porém, se bem que não deixasse de colher alguns frutos de
seu passado apostolado e, cada vez mais, fosse conquistando o apreço e a
consideração dessas gentes, que chegaram às manifestações das mais altas
considerações e carinho para com sua pessoa, compreendia o Messias que não eram
esses os lugares de seu ministério, e um secreto impulso arrastava sem cessar
seu pensamento para a Judéia e levantava-se constantemente, em meio de suas
reflexões, a visão imponente do Templo de Jerusalém, base do imenso poder desse
clero fanático, egoísta e hipócrita, que ele vinha para combater. Não era um
sentimento de temor pelo instinto da própria conservação, mas sim o temor de
não chegar a tempo para a terminação da grande obra que me fora confiada.
O favorável
acolhimento encontrado em minha peregrinação e as simpatias e afetos de que me
vira rodeado, davam-me maior confiança e avigoravam a fé em meus destinos. Muitas
foram as povoações visitadas e tornadas a visitar, durante as missões dirigidas
às terras dos gentios, sem encontrar maior oposição a meu ministério de parte
do clero dos variados cultos que encontrava nas diversas povoações visitadas. O
clero parecia em verdade geralmente superior à idolatria professada pelo povo e
nascida, ao que parece, da personificação das virtudes e das forças em nome das
quais eram dados os ensinamentos, e o respeito e adoração especiais que se
tributavam ao Grande Deus ou Deus dos Deuses, também chamado Baalsão ou
Baalresão (não encontro nome parecido em vossos cérebros) e ao qual grande culto
todos os povos tributavam, ainda que variando sempre a palavra de seu nome,
faziam supor que em princípio em um só Deus acreditavam, sendo as demais
entidades também designadas como Deuses mas de natureza diversa e inferior a
esse Grande Deus, que seria portanto o verdadeiro. Mas tudo isso era tão confuso
e enredado que resultava uma idolatria muito complicada e de muita
inferioridade com relação ao culto do povo judaico.
Havia nesses tempos,
no caminho de Corozain para Damasco, uma cidade à qual os conquistadores deram
o nome de Filipópolis, que não era a mesma a que também chamaram Cesaréia
Philippi, pois que eram dois povoados, sendo o mais antigo e o mais próximo de
Corozain do que eu falo, porque as construções romanas, fortalezas, quartéis,
palácios da administração pública e do governo militar, um grande templo, depósitos,
etc., constituindo uma posição fortificada, assim como os grandes muros de
defesa e as muitas habitações novas ocupadas por civis e militares, todas essas
construções vieram formar uma cidade nova que era propriamente a Cesaréia,
terminando por ficar separada da primitiva povoação que pouco a pouco foi
ficando abandonada até perder-se sua memória como se a cidade Cesaréia houvesse
sido edificada sobre um lugar deserto.
Assim, portanto,
entre a pobre casaria que nos arrabaldes ficava do que se chamou depois Pancas
e mais tarde Filipópolis, próximo à margem de um pequeno afluente do Jordão,
encontrou o Messias em mais de uma ocasião lugar propício que lhe servia de
albergue e também de repouso para seu espírito, em meio dessas almas pobres e
simples que de tudo careciam, menos do impulso de afeições e dos doces reflexos
da simpatia; mas seus conhecimentos nas ciências divinas eram nulos, sendo sua
religião um amontoado de idéias diversas, idólatras, judaicas e baalitas,¹tudo confundido no
meio das mais vergonhosas superstições.
Em uma das ocasiões
em que se havia Jesus detido por essas terras alguns dias, visitando e levando
o ensinamento da nova doutrina entre os arrabaldes de Filipópolis, sendo sempre
unicamente na dita casaria o lugar de preferência como morada de seu retiro
diário, na vivenda de um velho pescador que de muito longe trazia o fruto de
sua pesca, de alguns riachos e lagoas por eles formadas, cujas águas todas iam
desaguar no Jordão, soube de um sonho em que prometido havia sido como o
Salvador do mundo o próprio Messias.
O tal velho pescador
não atinava em muitas palavras para as manifestações de seu espírito e do que
lhe era dado para compreender como ensinamento, entre os outros, pelo Messias; maior
parecia seu interesse pelo que dos lábios de Jesus saía, não somente pelo que à
doutrina dizia respeito, mas quanto a seu cumprimento também, sendo que de sua
pobreza alívio tirava em algumas ocasiões para os mais pobres do que ele.
Jeová mandou-o à
minha casa, ouvia-se-lhe dizer, para aviso das grandes desgraças que hão de
acontecer pelo abandono que se tem feito de sua lei entre os homens e para que
prevenido esteja eu para nossa salvação. Assim também, sonhei com o Mestre, vendo-o
rodeado de anjos e de velhos profetas, aos quais uma voz, que vinha do alto e
que a mesma de Jeová havia de ser, desta maneira lhes falou em meio de uma
grande luz de retumbantes trovões: “Aí tendes o filho meu, pelo qual virei a
glorificar-me na Terra; escutai-o e o ajudai porque para salvador dos homens eu
o enviei”. Ouçamos portanto a este novo profeta que o próprio filho de Deus
é, acatando seus ensinamentos de amor e praticando-os sem covardias.
Em grande estima
tinha-se aí a esse ancião, dizendo-se também dele que se lhe apresentava em
sonhos o porvir. Motivo foi isto para que a voz de meu ministério corresse com
maior velocidade e prestígio entre as gentes dessas paragens que, se bem
escutaram a Jesus com verdadeiras demonstrações de afeto, não manifestaram maior
entusiasmo quanto à afirmação da origem divina de seus ensinamentos.
A notícia do que foi
dito correu de aí para todas as partes, variando-se-lhe a forma e exagerando-se
até afirmar-se que Jesus em muitas ocasiões, conversação havia mantido com o
próprio Deus, que o enviara.
Isto acontecido
havia, nos últimos tempos de minhas digressões distantes, durante meu
definitivo regresso para as terras da Judéia, pouco antes de minha última
estada em Cafarnaum, quando já a obra do Messias próximo estava de sua
madureza.
Certamente, todos
esses territórios havia-os minuciosamente percorrido, não tanto nem durante
tanto tempo como os da Judéia, mas por todas as partes tinha levado o Messias seus
ensinamentos, sempre rodeado de muita gente, acompanhado sem cessar em suas
viagens por homens e mulheres que o mantinham cercado de admiração e de
carinho. Mas não tinha ainda os que chamados foram seus discípulos e dentre os
quais verdadeiramente saíram seus apóstolos, se bem que o apostolado se havia
apresentado quase repentinamente em quase todos os que a ele se consagraram,
porém sua seleção dentre os discípulos foi feita, o que aconteceu no que há de
chamar-se o período derradeiro da grande obra do Messias que, como já vos
disse, muito longa foi e muito grande extensão alcançou, ocupando sua vida
inteira desde que saído tinha de completar seus estudos na Cidade Santa.
É portanto ao último
período do apostolado de Jesus a que a tradição unicamente se refere e dele
unicamente falam os que chamados foram Evangelhos. Nada se perdeu entretanto de
minhas sementeiras na seara do Pai porquanto tudo frutificou melhor, depois de
minha morte, entre os homens. Assim, portanto, aconteceu que, quando chegaram a
essas regiões meus discípulos, grandemente facilitada encontraram a obra de sua
predicação e com felicidade acreditavam as gentes na origem divina de seu
ministério até admitir a própria divindade do Messias, o que um grave mal foi para
mais tarde, mal que a muitos afasta agora das palavras de vida que, em nome do
único Deus, trouxe Jesus a seus irmãos da Terra.
Pensai pois agora vós
nessas palavras tal como acabais de saber como elas foram ditas e crede que o
seu objetivo primordial foi o de desenvolver o sentimento da fraternidade entre
os homens, arrancando também dele o verdadeiro fundamento da adoração para
Deus, a quem unicamente com amor e por amor se serve.
Compreendei também
que o verdadeiro amor eleva o homem, desmaterializando-o, quer dizer,
vigorizando sua personalidade de espírito. O espírito depois, livre assim das
cadeias que o sujeitam sob a forma de baixas paixões, entre as trevas do
ambiente material, abre os olhos à luz espiritual e eleva-se facilmente também
em conhecimentos pela maior claridade que alcança sua inteligência. É então que
melhor compreende o que lhe convém desenvolver em seu próprio ser e o que deve
procurar, pois é muito diferente a verdade e a ciência do que a vossos sentidos
materiais se vos oferece.
Não olvideis que a
finalidade é o Pai e que tudo o que para ele não conduza, da verdade se afasta.
¹ Perguntado Jesus a respeito dos
adeptos deste culto, manifestou que assim havia designado ele os adoradores do
Deus Baal, porém que na realidade havia notáveis diferenças entre eles, tendo
cada cidade seus deuses próprios, com seus cultos peculiares, se bem que
existia também nisto uma espécie de intercâmbio, adotando-se a miúdo as divindades
de uma ou outra, nas outras cidades. — Nota do Sr. Rebaudi.
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