Passa já da hora o vosso despertar espiritual . . . Saiba que a tua verdadeira pátria é no mundo espiritual . . . Teu objetivo aqui é adquirir luzes e bênçãos para que possas iluminar teus caminhos quando deixares esta dimensão, ascender e não ficar em trevas neste mundo de ilusão . . .   Muita Paz Saúde Luz e Amor . . . meu irmão . . . minha irmã

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

CAPÍTULO VII Livro: Vida de Jesus ditada por Ele Mesmo O prestígio do Messias na Judéia foi devido ao Batista, que foi depois encarcerado por suas exprobrações contra os vícios da corte de Herodes e decapitado afinal por influência de Herodíades. Jesus nada pôde fazer em favor do mártir.



Meu prestígio na Judéia o devia à personalidade de João. É evidente que, a não ter sobrevindo a morte de João, Jesus não teria conseguido influenciar as massas para que o seguissem em um país onde o povo honrava o piedoso cenobita. E, por outra parte, está provado, por isso, que a celebridade de Jesus teria ficado circunscrita entre a proteção do Mestre e a terna afetuosidade de algum discípulo, se João houvesse conservado por mais tempo seu prestígio na Judéia. Mas, por efeito da vontade divina, a morte de João veio favorecer a missão de Jesus. A perda do apóstolo era fácil ele prevê-la em vista de sua estranha pregação; mas o gênero de morte que lhe impôs uma mulher escandalosamente desonrada, tornou esta perda mais cruel para os amigos do mártir.

João foi preso e encarcerado por ordem de Herodíades, que se havia casado com Herodes, por causa de um crime. Desde sua prisão, João, que podia comunicar-se com seus discípulos, mandou-me muitos dentre eles para dar-me a conhecer sua penosa situação e confiar-me o poder que tinha na Judéia. Meus apóstolos acolheram com frieza aos discípulos de João. A narração dos sucessos e a apreensão de uma sorte igual à do Mestre para mim causou-lhes estupor e despertou neles um vergonhoso egoísmo.

Desconhecendo a fraternidade da dor, desprovidos dessa elevação na fé, que mais tarde conquistaram, suplicaram-me todos que renunciasse ao encargo que João queria confiar-me e que permanecesse como um espectador neutral em uma tragédia cujo desenlace não podia ser mudado, de maneira alguma, por minha influência.

Assustado pelas conseqüências da prisão de João, desesperado pelo provável fracasso de minhas tentativas, porém resolvido a ensaiá-las e forte sobretudo pelo legado que me deixava o apóstolo de Deus, encaminhei-me com os discípulos do prisioneiro para colocar-me em condições de poder-lhe servir e para receber suas últimas instruções.

Meus apóstolos e os discípulos de João tinham a mesma fé. Porém estes, robustecidos por privações maiores, exaltados por mais fortes tensões de espírito, tinham que superar aos meus em todas as circunstâncias de extremo infortúnio e de fulminante adversidade.

A cólera de Jesus prorrompeu em amargas exprobrações. Ele chamou vis e perjuros aos maus servidores de Deus, aos que faltam à delicadeza, à honra, à amizade e predisse o abandono e o isolamento de sua alma aos que os chamaram com o medo e a fuga. Mas a cólera de Jesus tinha que acalmar-se na solidão, porque uma elevada manifestação inspirava-lhe palavras como estas:

               “Perdoa-lhes, Deus meu, porque não me conhecem. Ampara-me
                porque tu és o único forte. Defende-me contra a fadiga, contra a
                irritação, contra o desespero econsolida minha vontade que vacila.
               Tu és meu único refúgio, tu és minha única esperança”.

Jesus encontrava amplas compensações, na adorável bondade de Deus, às tristezas que invadiam seu espírito, e as más impressões desapareciam na prece.

               “Irmãos meus, o mais belo dos heroísmos humanos é o esquecimento
                de si mesmo para levar aos outros a palavra de paz e de consolo.
                “As maiores virtudes encontram-se nos caminhos dolorosos e a
                 marcha da alma para seu Criador não se realiza senão à força de
                 sacrifícios.
                “Honrai a desventura, inclinai-vos diante da miséria, fazei brotar a
                 esperança nos corações febricitantes, trabalhai com empenho em
                 servir os enfermos e abrandai seus sofrimentos; destruí o mal em
                 suas obras e esforçai-vos na libertação do justo”.

Cheguei ao lado de João com a passageira esperança de salvá-lo, mas ele afogou esta esperança dando-me as mais espantosas informações a respeito do poder que o mantinha em custódia.O que eu devia fazer, disse-me João, no interesse de nossa causa, era manter-me distanciado do centro da perseguição e continuar fazendo partidários nas classes mais ínfimas.

Fiquei a sós com João, não havendo nada em minhas aparências que pudesse causar a menor suspeita aos guardas do prisioneiro, e escutei a palavra do apóstolo inspirada já pelos resplendores, que ele entrevia, do Além, entre as sombras da morte. De joelhos, como pouco tempo antes, durante a penitência do Jordão, inclinei a cabeça diante dessa grande figura da história dos séculos. João levantou-me, abraçou-me, deu-me ânimo e fez-me prometer que seguiria seus conselhos.

Resolvido a morrer antes que renegar de suas palavras, fez-me saber assim a condição que se lhe impunha para conceder-lhe a vida e a liberdade.

                “Não vejo a hora de afastar-me da justiça dos homens e deixo-te o
                 cuidado de minha glória perante a posteridade. Filho de Deus,
                 continua minha missão. Anda depressa! Os dias estão contados e
                 nossa aliança deverá receber o prêmio na pátria celeste, depois do
                  êxito. Anda depressa!
                  A causa de Deus está em perigo e o Messias João a confia ao
                  Messias Jesus. Adora a causa de Deus que nos lançou aqui e
                  caminha para a morte com o olhar fixo no porvir.
                  No porvir, o nome de Jesus será glorificado e sua fé triunfará,
                  porque o Deus de Justiça e de amor designou-o Messias da religião
                  universal”.¹

A voz de João tomou então um tom profético, passaram-se visões diante dele e fez ressurgir em mim a segurança de minha futura elevação.

Oh fé santa! — Tu despertas a coragem e as virtudes, proporcionas o desprezo das honras e dos sofrimentos, realizas milagres de amor e de sacrifício; adquires forças e devoção; levas liberdade ao espírito e tranqüilidade aos corações. Tu és a porta da esperança, a chama da caridade, a estrela maravilhosa que brilha no céu escuro dos náufragos!

Oh! Amor de Deus santo — Tu só te manifestas à alma crente e a todo espírito forte e desligado das trevas!

Oh Deus meu! — Torna fácil a fé aos homens que leiam estas palavras e manifesta-lhes todo o teu amor!

A coragem de João não se enfraqueceu, pois ele recebeu a morte com a tranqüilidade que dá a fé.

Tendo ficado só depois da morte de João para dirigir os homens na nova crença, eu recobrei forças nas recordações das brilhantes promessas de meu amigo e reuni os princípios de sua severidade para os pecadores com uma moral cuja base era a fraternidade.

Engrandecido pela fama do solitário, segui o costume da purificação no Jordão, tomando abertamente o título de filho de Deus e deixando a João o nome de Precursor que ele havia tomado espontaneamente. Designando a habitação de meu pai no céu, apresentava esta imagem com colorido que convinha aos filhos da Terra desse tempo. Hoje não mais poderia dizer: o céu e o inferno; as portas do inferno não prevalecerão contra mim; a morte é eterna para o pecador; o Demônio o arrastará a um abismo sem fundo, e não verá jamais a Deus, porque ele o terá amaldiçoado, e porque a luz não penetrará no inferno; a luz é Deus; o Demônio reina nas trevas e o réprobo lança gritos de angústia, chamando Deus, o qual permanecerá, não obstante, eternamente surdo a eles.

Mas digo em troca:

               “Irmãos meus, o céu é uma designação vaga da morada de Deus. O
                inferno não existe. A morte é o termo de uma etapa do espírito; as
                existências sucessivas operam paulatinamente a purificação na
                natureza dos espíritos, aos quais a justiça de Deus dá a todos, por
                igual, uma manifestação confusa da verdade, a qual, palmo a palmo,
                se aperfeiçoa à medida que eles caminham na presciência do porvir,
                pelo abandono dos instintos materiais e pela pureza dos desejos”.

Meus preceitos de hoje são os mesmos de outrora, mas se apoiam sobre o ponto fundamental de uma doutrina, cuja exposição não teriam podido compreender os homens que então me rodeavam, e eu devia purificar seus espíritos sem preocupar-me dos meios. Tinha de apresentar-me como filho de Deus, porque a palavra reformador não teria sido suficiente, sendo-me de necessidade conquistar um princípio divino para elevar-me perante a posteridade, para a qual talvez tivesse passado ignorado sem este princípio.

Em minhas primeiras pregações em Jerusalém, havia certamente adiantado a negação do inferno, durante minhas demonstrações a respeito da bondade divina, mas ali me ouviam homens familiarizados já com dito pensamento, filho da própria razão. Aqui a tradição do inferno imprimia a meus discursos a tétrica energia de que as massas se manifestam sempre desejosas, e eu queria atrair para mim a confiança dessas massas. Durante minha permanência em Jerusalém havia, é certo, explicado a manifestação do espírito para com o espírito, mas aqui eu falava do espírito de Deus e do espírito das trevas, do espírito puro e do espírito impuro, da ressurreição dos corpos e da presença de Deus no julgamento de cada homem depois de morrer e insistia na minha presença à direita do Pai Celeste, quando ele vier para julgar os vivos e os mortos.

Irmãos meus, os inimigos de Jesus tiraram partido destas contradições para acusá-lo e o expediente que Jesus empregava para dominar as massas valeu-lhe que o considerassem como um ambicioso dos favores populares. Porém as provas a respeito das verdadeiras intenções de Jesus encontram-se em suas invariáveis demonstrações quanto à fraternidade e igualdade entre os homens,em sua contínua familiaridade com os mais pobres e mais desavergonhados, em sua fácil renúncia às lisonjas da carne, em seu alheamento das riquezas e da dissipação mundana, em seu modo de apresentar-se, em seus hábitos, em seu suplício, que podia evitar, e enfim, na suprema honra que recebeu de Deus ao designá-lo como vosso Messias e vosso iniciador nas novas doutrinas, em sua felicidade, suas dores, suas alegrias, sua glória.

Sabei-o, irmãos meus, a pura luz de Jesus o conduzia a estabelecer uma crença baseada na lei divina da associação fraterna dos espíritos. Mas, não era chegado ainda o tempo desta elevada demonstração e Jesus tinha que apegar-se aos únicos meios que podiam consagrar sua popularidade. Sabei-o também:

Jesus tinha como guia a inspiração dos espíritos do Senhor; apesar disso, Jesus chamava para si a inspiração mediante a emulação de sua própria vontade, e, muitas vezes, erros, cuja lembrança lhe impõe sua memória, foram cometidos, sendo sua causa o desvio de seu juízo, em circunstâncias em que somente o livre arbítrio deve governar o espírito. Manifesto-me agora com a alta proteção de Deus. No mundo terrestre também falava com a alta proteção de Deus. Entre minhas duas aparições decorrem dezenove séculos e minha filiação, assim como minhas palavras, não podem ser as mesmas.

O filho de Deus é um espírito inteligente chegado ao seu mais alto destino pelo cumprimento dos deveres traçados a todos os espíritos de sua ordem, e as palavras de Jesus aos homens dos tempos presentes têm que assinalar a distância existente entre estes e os povos da Judéia, aos quais se dirigia Jesus em sua vida corporal. Emoções de elevada significação atraíam Jesus para a família espiritual por ele merecida e ao mesmo tempo as emoções de sua vida carnal durante sua missão humana o incitam a manifestar a origem e o fim desta aos homens de hoje.

Que seria necessário para fazer desaparecer as dúvidas da grande maioria destes homens? Seria necessário repetir minhas conversações familiares de outros tempos e suas divagações nos discursos destinados a honrar a humanidade futura com a exposição dos deveres e da revelação das verdades prometidas ao homem inteligente.

Seria necessário humilhar mais ainda minha natureza e descer ao nível da manifestação dos espíritos que permanecem na atmosfera material, onde seu lugar lhes está indicado de longa data. Seria necessário oferecer pormenores sobre os acontecimentos futuros e fazer emprego vergonhoso da graça divina destinando-a a manifestações insensatas. Seria necessário obrigar a fé da Humanidade com um milagre autêntico e arrojar o relâmpago da chama sobre a revelação, da qual eu sou o mensageiro.

Expor minha opinião sobre o papel não vale nada, assim como descrever o caminho que eu segui. — Dar a penetração do porvir? — Que importância poderia ter isso para homens cuja vida se passa no desperdício da inteligência, no embrutecimento que origina o abuso da força, nos permanentes desejos ambiciosos e imorais, no grotesco desdém por tudo o que lhe recorda a fragilidade da existência presente e a pesada responsabilidade do espírito imortal, na negação de Deus e no desafio atirado à sua justiça, com abomináveis divagações e com exemplos mais abomináveis ainda, no esquecimento completo das atribuições do homem e no olvido de todo pudor, de toda delicadeza, de toda probidade, de toda honra, de todo sentimento humano?

Coloco-me ao nível intelectual do médium que escolhi; mas alguns homens de grande inteligência encontrarão fraqueza nas minhas manifestações e outros de mais modesto talento farão notar as dificuldades que surgem destas mesmas manifestações. Outros, e são os mais numerosos, me acusarão de ter enganado ao povo hebreu com ensinamentos que o animavam a abraçar uma crença que eu mesmo não tinha. A isso respondo: Em quase todas as circunstâncias de minha vida obtive minha coragem da convicção que tinha dos favores divinos, e era necessário tornar-me digno desses favores com um desprendimento completo dos gozos da família, e de toda ambição própria do homem. Tinha que sustentar lutas para chegar ao estado que eu desejava, porém a firmeza de minha fé tinha que triunfar, porque Deus era meu apoio e o prêmio a que aspirava. A misericórdia divina não me mandava para desempenhar uma missão fraternal?

E não bastava acaso a força deste pensamento para levantar-me cheio de ardor depois de um momento de depressão? Quanto aos meios para persuadir e convencer os homens, empreguei os que requeriam a situação das cousas e a inteligência de meus ouvintes. Convencido da assistência dos espíritos de Deus, não podia associar esta definição com os dogmas fundamentais da lei judaica, posto que os sacerdotes, cuja arrogância estava de acordo com seu poder, vigiavam para o fiel cumprimento da lei e estes sacerdotes me haveriam feito morrer antes da hora estabelecida, antes do cumprimento da obra, se houvesse começado demasiadamente cedo a ceifa da messe do Senhor. Tinha a convicção da assistência dos espíritos de Deus, mas ao mesmo tempo estava seguro do perigo que corria por esta revelação em uma época em que os espíritos não estavam dispostos a recebê-la, e fundei uma doutrina mais em harmonia com o desenvolvimento do espírito humano, persuadido de que mais tarde estas verdades abririam caminho. Tinha a convicção da assistência dos espíritos de Deus, porém em Jerusalém os meus amigos que tinham a minha mesma crença haviam-se recusado a sustentá-la em público. Isso não significava mais, apesar de tudo, que um rejuvenescimento de crenças! Isso, apesar de que as revelações se encontram na ordem natural das forças humanas e das forças espirituais, dos desígnios de Deus e dos caminhos abertos pela Providência! — Mas neste mundo de enganos e de falsos profetas, quantos obstáculos há que vencer-se para demonstrar a verdade! —

Quantos vícios e quantos desvarios se opõem às noções trazidas pela virtude e pela razão! — Oh! Mártires de todos os séculos que me haveis precedido! —

Oh! Mártires de todos os séculos que me haveis seguido! — Baixai das regiões em que agora vos encontrais para dizer comigo: Pobre Humanidade! — Quando, pois, chegarás a ser digna dos esforços dos que querem emancipar-te? — Quando terás a coragem de levantar-te e olhar para Deus! — De amaldiçoar a ignorância e de lançar-te para a imortalidade com fé e com amor?

Irmãos meus, a vida de Jesus tem que ser explicada por ele mesmo para desfazer as dúvidas, que existem ainda, a respeito de sua natureza e de sua sinceridade. Jesus o disse: Fui o apóstolo de João e, depois da morte do Solitário, procurei reunir os antigos preceitos com os que lhe ditava a alta sabedoria dos mundos. O amor fraterno, a solidariedade humana, a justiça e a misericórdia de Deus, tais eram os dogmas estabelecidos por Jesus. Mas, para predicar estas cousas com algum desenvolvimento, era necessário romper com os dogmas antigos, com a idéia da criação de um só mundo, a dependência da alma com relação ao inferno, a condenação eterna, o poder do demônio, as demonstrações pueris, os sacrifícios ímpios, em uma palavra, era necessário destruir e reconstruir, e não tinha eu o tempo nem os meios para levá-lo a termo.

Em minhas conversações com João tinha combinado que lançaríamos a semente no meio da gente plebéia e que o título de filho de Deus serviria para atrair as multidões no porvir, para que minha missão fosse proveitosa e imortal.

A doutrina de Jesus tinha que apoiar-se sobre o prestígio da filiação divina, com o propósito de que ela ficasse absolutamente estabelecida e religiosamente observada a fim de humilhar todas as misérias morais. Podia acaso o Messias Jesus lançar o anátema contra o poder e a crueldade dos ricos?

Não. As turbas tantas vezes enganadas pelas aparências da virtude, não teriam admitido a moral do pobre Nazareno e o teriam acusado de invejar os mesmos que ele apontava para desprezo dos adoradores de Deus. — Podia acaso o Messias Jesus lançar o anátema contra a escravidão e a justiça humana? — Não, visto que a multidão não teria compreendido a um homem que intentava derrubar as instituições até então respeitadas. Mas o que o Messias Jesus não podia intentar poderia intentá-lo o filho de Deus e o porvir recompensaria a Jesus pela derrota e contrariedades de sua vida presente. Ao filho de Deus correspondia-lhe o dizer:

              “meu reino não é deste mundo”.
               “O céu e a Terra passarão, porém não passarão minhas palavras.
              “Permanecei na paz do Senhor, caminhai dentro de suas leis e crede
               na ressurreição dos espíritos.
               “Pedi, e dar-se-vos-á, a mão de Deus não tem fim e seu amor é
                imenso.
               “Baixai até o fundo de vosso coração e arrancai dele tudo o que tenha
                de impuro. As impurezas corrompem o coração e a alma.
                “Semeai, arrancai a erva má. Eu vos digo, homens de boa vontade:
                 os que tenham semeado aqui, colherão em outra parte, Digo-vos
                 ainda: Abandonai os bens da Terra, pois que os ricos não entrarão
                 no reino de meu Pai. Mas entrarão os que tudo tiverem dado para
                  seguir-me. Mas entrarão os que tenham compreendido minhas
                   palavras e as ponham em prática”.

Eu era o enviado da justiça de meu Pai e me fazia o intérprete de sua misericórdia.

               “Vinde a mim, vós que haveis pecado, e vos perdoarei. — Vinde! — A
                liberação de vossas almas se efetuará por obra de meu amor.
                “Eu sou o bom pastor e o bom pastor dá a vida por seu rebanho.
                “Eu sou a fonte do consolo, e a meu lado não se devem temer os
                 perigos; porque Deus está em mim e eu estou nele.
                 “Sereis arrastados pelos espíritos das trevas para a morte do
                  pecado, mas eu sou a luz, a verdadeira luz até à consumação dos
                  séculos.
                 “Ide, dizia aos pecadores, ide e não pequeis mais. O Senhor vos
                  perdoa por meus lábios, porque eu sou seu filho predileto e tudo o
                  que eu perdoar na Terra será perdoado no céu.
                  “Sou o intérprete de meu Pai e do vosso, porque a pátria celeste é
                   minha pátria.
                  “Vim para trazer-vos a verdade, para que a verdade seja conhecida
                   de todos os homens no presente e no porvir.
                   “Deus conhece vossos mais secretos pensamentos. Rogai pois
                   com pureza de coração para que vossas orações sejam ouvidas.
                   “Praticai o bem ocultamente e que não saiba a tua mão esquerda o
                    que dá a tua direita.
                    “Não imiteis os hipócritas que levantam os olhos ao céu e têm um
                     rosto esquálido, para demonstrar a todos que oram e que jejuam.
                    “Porém quando fordes à Sinagoga, tomai uma atitude modesta e
                     entrai com a alma livre de toda a venalidade e desligado de todo
                     rancor.
                    “Quando derdes expansão a vosso espírito e a vosso corpo com o
                      descanso e em meio das distrações, fazei-vos fortes contra tudo
                     o que seja baixo e grosseiro, porque isso desenvolveria em vós as
                     tendências bestiais e faria retroceder vosso espírito.
                    “Quando vos encontreis em aflição, dizei: Deus meu! Seja feita tua
                     vontade e não a minha. Em seguida Deus vos mandará a alegria
                     e a força.
                     “Quando vos encontreis na abundância, distribuí o necessário aos
                     que não o tenham e quando vos encontreis na necessidade
                     recorrei a vossos irmãos. Todos os homens são irmãos e Deus
                    lhes disse: Amai-vos uns aos outros e amai-me sobre todas as
                    cousas”.

Minhas preferências me levavam às reuniões populares e com freqüência a curiosidade que acompanhava minha pessoa, alterava minhas palavras arrojando-as às paixões entusiastas dos amigos do maravilhoso.

Meus inimigos tomavam nota do ruído que se fazia em torno de meus milagres e mais tarde acusaram-me de haver deixado que se acreditasse nestes milagres por não tê-los negado em sua mais insignificante parte.

Minha natureza de filho de Deus, irmãos meus, é para vós matéria de estudo e tenho que vô-la definir completamente. Porém vou antes explicar-vos dois milagres referidos em vossos livros, e, se os prefiro, é por encontrá-los de uma inventiva mais exagerada que os demais.

Na cidade de Jericó um cego encontrou-se no caminho de Jesus e começou a clamar: Jesus filho de Deus faz que me seja dada a vista.

Jesus lhe disse: Te é restituída a vista e ele viu.

Irmãos meus, o cego de Jericó é uma quimera.

O homem enfermo encontrava sempre em mim consolos e também alguns meios de alívio, devidos a meus estudos sobre as enfermidades humanas. Destes milagres eu não tive conhecimento senão pelo que escreveram vossos historiógrafos.

A história dos cinco peixes e dos dois pães multiplicados e distribuídos entre muitos milhares de homens deixou perplexo meu espírito ao ver tão grande insensatez humana.

Ah! — Irmãos meus, Jesus, como acabo de dizer, encontrou-se com freqüência no meio de reuniões populares, porém jamais houve algo de sua parte que pudesse dar lugar a semelhantes fábulas. Com que objetivo teria provocado a crença nestes transtornos da natureza material, ao passo que dizia que o poder do Pai residia no esplendor da criação e nas inexoráveis leis naturais da matéria?

No princípio deste livro referi-vos a ressurreição de uma menina, ressurreição que somente existiu na imaginação dos assistentes, mas que eu deixei passar como um fato real porque não via então inconveniente algum nisto. A menina não havia tornado à vida, eu o sabia, porém aproveitei-me da ilusão dos pais para inspirar-lhes a fé na ressurreição do espírito. Porém quanto ao que sucedeu em Jericó e em todas as circunstâncias em que se me faz aparecer como violando as leis da existência material, insisto em minha negação absoluta a respeito de minha participação em tais mentiras.

Insisto nestes princípios de alta filosofia religiosa: que Deus não transpôs jamais os limites fixados por ele mesmo; que Deus não concedeu a ninguém a faculdade de transgredir as leis divinas, as quais repousam sobre leis imutáveis, que Deus é um ser demasiadamente perfeito para enganar-se, demasiado justo para favorecer uns e deixar os outros de lado, demasiado adorável para baixar a combinações do gênero das que se encontram a cada passo em vossos pretendidos livros sagrados. — Oh! Certamente Deus me protegeu! — Sim. Deus me conduziu para o porvir para que fosse a luz e o guia; porém nem sempre fui digno dessa honra, e é porque cheguei a sê-lo que pude preceder à Humanidade, em seguida baixar desde essa luz até a Humanidade para abençoá-la com meu sangue e emancipá-la com minhas palavras.

Será também filho de Deus o homem que saboreia a paz no meio da tristeza e dos sofrimentos, porque ele é livre de pensar, livre de adorar a Deus, livre de levar alívio a seus irmãos com a força do espírito e a efusão do coração, porque ele é livre de viver sem apostatar de sua fé e de morrer confessando-a, livre de caminhar para a frente durante a vida e depois da morte.

Será também filha de Deus a mulher da Terra que tenha sofrido todas as desilusões com dignidade, que tenha defendido todos os seus direitos com a consciência de seu valor espiritual, que tenha subido os degraus da ciência divina e multiplicado suas boas ações para oferecê-las ao Deus do Universo.

Será filha de Deus e poderá conservar este nome tanto perante o mundo que haja deixado, quanto perante o mundo para o qual tenha sido chamada pela vontade divina. Desejava eu com demasiado ardor a felicidade dos homens e era demasiado absoluto em meus propósitos para justificar a opinião dos que empregam com excessivo rigor o qualificativo de impostor ou dos que dissimulam o propósito desta injúria com expressões mais favoráveis para a leitura de seus livros.

Tomando o nome de filho de Deus, sabia que tinha o direito de fazê-lo: adiantando-me para o abismo, sabia que tinha caído nele. Era-me agradável a amargura da morte, como homem obrigado a morrer, e predizia a meus apóstolos o abandono de que mais tarde se fizeram culpados. Pedia forças à minha elevada proteção espiritual e em minhas alianças humanas descia a fraquezas comuns a todos os homens. Minha natureza era, pois, como todas as naturezas humanas, dividida entre a atração da Divina Providência e a atração das alegrias humanas, porém o progresso de meus pensamentos, cada vez melhor e mais intensamente dirigidos para o horizonte celeste, tinha que destruir minhas tendências corporais, convertendo-me no Messias imortal.

O homem desvinculado dos estorvos mundanos, é realmente o filho de Deus. João o havia dito antes que eu, e ele não tinha só em vista o porvir conquistado, quando me fez prometer que respeitaria minha denominação, e de sustentá-la perante todos e contra todos.

Minha posição de filho de Deus, irmãos meus, é mais compreensível para os adeptos da religião universal² que para as almas enclausuradas no círculo estreito de uma religião humana.

A religião universal funda-se na Justiça de Deus, não levanta templos para uma fração de homens, não tem cultos externos forçados; porém dá a paz depois da oração, porque a oração está despida de todas as superstições que acompanham as religiões humanas.

A religião universal define Deus com seus atributos de grandeza e de poder; as religiões humanas definem Deus com as fraquezas inerentes à Humanidade.

A religião universal tem sua base na alma, como em um santuário. As religiões humanas estão condenadas ao erro e à ascensão da razão.

A religião universal manifesta-se com elevação nos pensamentos e o desejo de perfeição. As religiões humanas exigem a fé sem proporcionar o sentimento da fé. Elas acabam por converter o homem em fanático e incrédulo.

A religião universal, irmãos meus, vos diz que todos somos iguais, em virtude de nossa origem. A religião universal vos eleva no porvir e vos defende contra o orgulho, falando-vos do passado.

A religião universal vos dá a definição exata de vosso ser e vos salva do desespero, vos inicia na glória de vosso Deus e vos promete alegrias em sua casa.

A casa de Deus é a casa das inteligências que tenham alcançado a perfeição e o apogeu. É a pátria do filho de Deus. Dali vem Jesus neste momento para explicar-vos sua natureza. Dali baixou em um dia de misericórdia, para ser Messias, vosso guia e consolador. Dali também vos abençoa todas as vezes que vossos olhares pedem a luz de Deus para mandar-vô-la. Dali também vos chama a todos, sim a todos, uns depois dos outros.

Eis o céu, o porvir da religião universal, eis a manhã deliciosa de vossa noite atual, o fim de vossos esforços, o trabalho de vossa existência. Conquistar a luz, conquistar um lugar no sol dos sóis, uma voz no concerto das harmonias divinas, conquistar a perfeição do espírito e não baixar das altas regiões senão para ajudar as almas débeis, libertar as almas escravas, senão para demonstrar aos ignorantes a grandeza de Deus e o elevado destino do espírito.

Ah, irmãos meus! — Merecei esta ventura e recreai vossa alma com esta esperança.

Durante vários séculos, depois da última humilhação de seu espírito, Jesus assistiu aos procedimentos contrários a toda lei divina dos depositários da autoridade religiosa e se não impediu esses excessos é porque Deus deixa a cada um a responsabilidade de suas ações perante a justiça, é porque Deus confirma suas leis não intervindo no exercício da liberdade individual. As forças ocultas podem bem sacudir um mundo, os Messias e os agentes superiores da autoridade divina podem bem ser os mensageiros de luz, porém a luta é sempre rude e a matéria resulta a mais forte. A materialidade apaga o sentimento de espiritualidade nos mundos inferiores, do mesmo modo que a espiritualidade apaga a materialidade nas altas regiões. Por todas estas razões não pôde pôr freio ao comércio que se fazia de sua doutrina e teve que ouvir suas falsas definições, contemplar os delitos e as abomináveis vinganças, com a alma imobilizada pela vontade divina.

Irmãos meus, meus queridos irmãos, bendizei o pensamento misericordioso que me manda novamente entre vós.

Não indagueis a Deus seus segredos, mas aproximai-vos ao fogo de seu amor, ao fulgor de sua luz, à inteligência de sua natureza e desprendei-vos o mais possível das tendências da natureza carnal.

A natureza carnal arrasta-vos para amores desonestos, a ambições abjetas, a intentos deleitosos, a demonstrações hipócritas, a alegrias humilhantes para a alma e à perda de vossa dignidade espiritual. Homem como vós outros, eu também estive submetido às leis da matéria e venho dizer-vos que Deus quer a posse de vossa alma toda inteira. Acumulai tesouros para o porvir em Deus e desprezai as riquezas terrenas. Destruí vossa ambição pelas honras humanas e merecei as celestes. Começai a reforma de vossos prazeres depravados, de vossos hábitos licenciosos, destronai o orgulho e o egoísmo para fazer resplandecer a modéstia e a caridade. Adorai a Deus, como a luz e a liberdade, como a calma e a força, a inteligência e a pureza, e não o insulteis mais com orações feitas sem a compreensão de seus predicados, que querem a liberdade, a calma, a força, a inteligência e a pureza de vossos desejos, de vosso amor, de vossa fé e de vossa esperança.

Permanecei na paz comigo, vós que quereis seguir-me e pronunciai com a efusão de vosso coração a prece que vos vou ditar para terminar este capítulo:

                    “Deus meu, faze que este mundo se me represente tal como é
                     realmente: um lugar de provações, um fardo doloroso, uma
                     habitação fria e temporária; mas abranda as amarguras da prova,
                     alivia o fardo, com o concurso das almas irmãs da minha, e
                     descobre a meus olhares o quadro deslumbrante das faustosas
                     recompensas, devidas à eterna gravitação dos espíritos, para
                     conquistar a espiritualidade pura em tua auréola e em tua glória”.

Em meu oitavo capítulo começarei a tratar da questão da dependência dos espíritos da Terra e de sua desmaterialização.

¹ A “Religião Universal” deve ser a aspiração, no sentido religioso, de todos os homens
de espírito progressista e independente. Jesus deu-nos já sua fórmula imortal com as palavras: “Ama a Deus sobre todas as coisas e a teu próximo como a ti mesmo”. Nada
melhor nos ditou depois nenhuma doutrina. — Nota do Sr. Rebaudi

² Muito me agrada esta expressão de religião universal, e em minha longa, ainda que modestíssima atuação dentro da forma nova de evolução do espiritualismo, me hei esforçado sempre por permanecer desligado de tudo o que possa parecer estreiteza de círculo, escola ou religião (grifo as palavras porque são as mesmas por mim repetidas mil vezes em artigos, conferências e discursos sempre modestos, sempre sem pretensões, porém sempre cheios de sinceridade). Certamente não é este o caminho para se encontrar lisonjas para a própria vaidade, defeito com o qual não tenho que lutar pois uma pessoa encontra-se sempre escassamente acompanhada e poucos se manifestam dispostos a prodigalizar um pequeno elogio aos esforços que fazem os que não são do seu credo; porém eu já me acostumei a encontrar-me entre as minorias, embora muitas vezes acompanhado por maiorias envergonhadas, digo mal, quero dizer maiorias prudentes, que temem que as precipitações produzam mal em lugar do bem que eles desejam. Eu penso de forma diferente, creio que é tempo de entrarmos inteiramente no que Jesus chama RELIGIÃO UNIVERSAL e encontro-me no mais perfeito acordo com o Sr. Fauvety pela campanha que há bastantes anos leva por diante com seu periódico intitulado justamente A RELIGIÃO UNIVERSAL. Por isso também agrada-me a denominação Moderno ESPIRITUALISMO, que emprega a Revista Magnetológica e a Sociedade Científica de Estudos Psíquicos da qual é órgão, pois seu significado parece bastante amplo e liberal para que possa servir de bandeira a um exclusivismo qualquer. — Nota do Sr. Rebaudi.


domingo, 29 de dezembro de 2013

CAPÍTULO VI – Livro: Vida de Jesus ditada por Ele mesmo Depois da chamada “pesca maravilhosa” aumentou grandemente o prestígio de Jesus, que escolheu em Cafarnaum seus primeiros apóstolos, Cefas, André, Tiago e João. Prática familiar de Jesus com seus discípulos.




Já vos dei, irmãos meus, uma idéia de meu encargo como Messias e de meu poder como filho de Deus. Vós compreendereis agora minha missão, que não terminou, e meu caráter de filho de Deus, que distinguirá a todos os que se alimentarem da graça e se aproximarem à chama divina, a todos os que propagarem belas doutrinas e praticarem o eterno mandamento do amor, aos que desempenharem missões de espíritos inteligentes no meio de espíritos inferiores e turbulentos, aos que fizerem a luz no meio das trevas e fizerem crescer o grão entre o pó, aos que se tiverem emancipado da dependência odiosa das paixões para elevarem-se à atmosfera pura da espiritualidade.

O título de filho de Deus pertence aos espíritos de pacientes investigações e de abnegação pessoal. O título de filho de Deus pertence aos espíritos de penetrante ardor e de terna humanidade, de emanações benéficas e de forças fecundas, de tendências espontâneas para os sacrifícios pelo bem e de perseverante energia na prossecução dos trabalhos empreendidos.

Todos nós somos filhos do mesmo Pai. As esperanças da alma, os atrativos do espírito, os vícios da natureza carnal nos são comuns, e o poder divino nos chama para a perfeição com a suprema honra de nosso livre arbítrio.

Ponhamos à prova nossos recursos, permaneçamos firmes na luta, e peçamos a Deus a proteção de seus melhores espíritos; mas não contemos com esta proteção enquanto não nos emendemos de nossos hábitos fatais, e mediante nossos esforços postos em evidência como um chamamento e como promessa de purificação.

Elevemos nossas preces com fé e simplicidade: obremos com humildade e justiça; destruamos os maus germes e volvamos a empreender a marcha por outras sendas; busquemos a lei de Deus no fundo de nossos corações, e elevemo-nos acima dos costumes de um mundo corrompido, pelos desvios que faz desta lei santa; dirijamos os olhares de nosso espírito no livro das manifestações gloriosas e gozemos do amor dos anjos, cumulando de amor aos que nos desconhecem.

Definamos a religião de maneira que não dê lugar a equívocos, e declaremos com energia que as guerras, os ódios, as vinganças e todas as horríveis carnificinas, quaisquer que sejam as vítimas, são, sem exceção, ímpias, sacrílegas e merecedoras do castigo do Criador.

Os grandes espíritos experimentaram desgostos ante as alegrias humanas em virtude das alegrias da graça. Mas estes espíritos também tiveram que dar seus primeiros passos porque ninguém pode eximir-se dos sacrifícios que solicitam a graça.

Inclinemo-nos uma vez mais perante a justiça de Deus e continuemos a narração interrompida no final de meu último capítulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mediante o estudo da Natureza todos os homens podem chegar até à concepção do inteligente autor da mesma. Eis o que me conduzia a procurar os homens que se encontravam em contato com as maravilhas da Criação. Eu me aproximava a Cefas e a André procurando convencê-los de meu poder moral e intelectual. Preparava meus meios de ação, instruindo a meus êmulos, e deduzia provas para minhas palavras nas obras de Deus e nas manifestações de sua munificência e de seu amor.

O acolhimento cheio de respeito de meus adeptos se havia transformado em um verdadeiro culto depois da pesca milagrosa, como chamavam à abundante pesca que já referi¹ e os cérebros estavam prontos para exaltar-se quando ocorria alguma discussão a respeito da natureza de meu poder. A luz não se havia feito nestes corações ingênuos e entusiastas e, sem julgar-me senhor absoluto dos elementos, atribuíam-me a influência passageira dos profetas, cuja história fabulosa conheciam. Minhas instruções praticavam-se com a maior deferência para com minha pessoa e a natureza do impulso explicava a fraqueza dos espíritos. Mas eu, de acordo com a minha penosa missão, devia aproveitar-me desta fraqueza e purificar os instintos, sem comprometer o prestígio que tinha. Tinha que apoiar minhas demonstrações, já seja sobre a tradição, já seja sobre os recursos de meu próprio espírito e manter assim a crença nas predições, fazendo-me o apóstolo da nova verdade.

O temerário ardor de meus discursos e os hábitos simples de minha vida ofereciam um contraste que impressionava todos os corações e levava a convicção aos espíritos. Retirava-me muitas vezes no momento de maior entusiasmo e minha desaparição contribuía para estabelecer o sobrenatural de minhas formas oratórias, assim como a luz da nova doutrina que explicava.

Convencido de minha missão e desiludido, sem tê-los experimentado, dos gozos mundanos; desmaterializado moralmente com o alimento de meus idealismos e doçuras de imaginação, adiantei rapidamente na espiritualização do pensamento e minha palavra estava impregnada dos ternos ecos da poesia celeste. Tinha ainda algumas ligações humanas e meu coração ficava às vezes indeciso entre a radiante esperança e a realidade da alegria presente; mas estas indecisões eram passageiras e, acionado por uma vontade invencível, adquiria novas forças depois de cada luta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Os primeiros apóstolos de Jesus, irmãos meus, foram, depois de Cefas e André, Tiago e João, filhos de um pescador chamado Zebedeu. Aqui devo dedicar uma página a Salomé, mãe dos novos discípulos. Esta mulher heróica, porém simples no heroísmo, é conhecida tão-somente pela celebridade de seus filhos, e entretanto ela possuía mais grandeza de alma que seus dois filhos reunidos. Esposa carinhosa de um trabalhador, mãe admirável, mulher inteligente e de uma devoção elevada, Salomé foi, entre meus ouvintes, uma das mais assíduas e fervorosas. Eu não elevei Salomé, ela elevou-se sozinha, mediante a intuição de minha missão divina, e ambos nos encontrávamos caminhando unidos na força da fé para o calvário, eu para morrer, e ela para ver-me expirar em meio das torturas. Não é verdade que Salomé me haja pedido que colocasse a seus dois filhos um de cada lado meu na mansão de meu Pai. Se Salomé tivesse formulado semelhante pedido, eu não teria que apresentá-la aqui na forma que o faço. Os dois irmãos estavam cheios de vivacidade e de ardor. Eu lhes havia posto as alcunhas de relâmpago e de raio e aproveitava com êxito as suas qualidades. Mas, ai! Quantas amarguras depois do prazer! Quantos arrependimentos resultaram de minhas fraquezas! Tiago, o mais velho, não era mais que o modelo de João, quer dizer que os mesmos sentimentos, as mesmas faculdades, os mesmos gostos, os mesmos hábitos se manifestavam nos dois; porém João empregava mais ardor na discussão, mais extravagância em seu entusiasmo, mais paixão na amizade e, também, mais vaidade no apego à minha pessoa. Eu não me preocupava em combater as tendências de João para a exageração, e seu irmão, menos exagerado, me inspirava temores que jamais se realizaram. Fatal cegueira! João era a estrela de meu repouso como Cefas era o instrumento de minha vontade, o braço da ação, e entre estes dois homens estabelecia a mesma diferença que estabeleço hoje. Mas nas discussões que se promoviam entre todos eu costumava inclinar-me de preferência para o lado de João. Não me apercebia que seus caprichos de preferido, que suas exaltações de ânimo semeavam a desordem no presente e preparavam as sombras do porvir! Irmãos meus, este discípulo, cujas ternuras constituíam minha felicidade, foi realmente o mais querido; porém neste momento eu lhe retiro diante da posteridade o prestígio de discípulo fiel a seu mandato, porque todo o desempenhou com o inverossímil, referindo os fatos, não tal como eles haviam tido lugar senão como ele desejava que houvessem sucedido.

Aos quatro discípulos familiares de Jesus se agregaram outros quatro, cujos nomes são: Mateus, o aduaneiro; Tomé, o mentor de meus apóstolos pela inteligência dos assuntos externos; Lebeu, o mercador, e Judas, célebre por sua traição.

Na criação de minha pequena brigada havia estabelecido que seus componentes deviam ser entre eles irmãos e que o último chegado devia ter as mesmas prerrogativas que o mais antigo. Uma noite em que, depois de cear, me achava rodeado de todos meus irmãos, o contentamento deles se manifestava com gracejos picarescos e acertados ditos, quando a alguém ocorreu chamar-me Rabi, que significa mestre e pai, nome mais expressivo que o de senhor. Para participar do bom humor de meus irmãos, me dirigi a todos e a cada um deles, pesquisando os signos de seu porvir no caráter de cada um, que eu havia estudado. Das cabeças ardentes de Tiago e de seu irmão, da penetração de Mateus, da capacidade administrativa de Tomé, a natural bondade de Lebeu, deduzi horóscopos confirmados mais tarde pelos fatos. Acalmei também os ciúmes de Judas, favorecendo-o mais que aos outros. A André, dei-lhe ânimo, dizendo-lhe²

“Meu querido André, abraça-te a teu irmão e apóia sobre ele tuas débeis  mãos. Os passos de Cefas te conduzirão a trabalhos aos que tu só não conseguirás levar a termo; sua força cobrirá tua fraqueza. Livra-te da languidez que debilita tua alma; a fé e a resolução não dependem da fadiga dos órgãos e do pesadume na execução. Honremo-nos imitando nossos laços fraternais e nossa confiança no porvir. Dos cuidados que demanda a grandeza futura de nossa empresa não te preocupes. Descansa no Mestre e, depois do Mestre, sobre teu irmão, que é a pedra
         fundamental de nosso edifício”.

Cefas levantou-se radiante e disse:

         “Mestre, abençoa a pedra fundamental e jamais virá abaixo o edifício”.

Irmãos meus, jamais saiu de meus lábios o mesquinho jogo de palavras que se me atribuiu a este respeito. A origem do nome de Pedro foi devida simplesmente à facilidade de comparação, que me proporcionou esse momento de confidencial abandono entre homens cujo valor eu havia aquilatado. O nome de Cefas foi substituído imediatamente pelo de Pedro. Assim o designaremos daqui por diante, como Pedro, o apóstolo de Jesus, fundador dessa religião, materialmente pobre por seus membros, resplandecente de riquezas por suas aspirações, doce e caritativa, forte e majestosa, terna e paciente para todos, cultivada de todos os deveres, poderosa apesar dos assaltos sofridos, eterna pelos exemplos de virtude, que deviam levantá-la até Deus e conquistar o mundo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Meus discípulos, em número de oito, acompanharam-me na minha visita a João, que descia do deserto para presidir as purificações no Jordão. A purificação, como temos dito, praticava-se mediante a imersão completa ou parcial, e minha intenção era a de submeter-me ao uso humilhando-me perante o apóstolo para minha purificação parcial, que em seguida eu haveria de praticar com meus discípulos.

João reconheceu-me logo e me fez caminhar a seu lado, dando-me vivas manifestações de veneração. A multidão, que observou estes testemunhos, me confundiu sem mais no mesmo respeito que tributava ao Solitário.

A função da purificação foi precedida de sermões e jejuns, o que convém recordar aqui para fazer compreender a meus leitores que a purificação era o que mais tarde se chamou o sacramento da penitência, e não o batismo, que não tinha razão de ser nesta circunstância.

Todas as populações da Judéia parecia que se haviam posto de acordo para concorrer à purificação nesse ano, que foi o último de João. A multidão era compacta, pressurosa e delirante e a animação tomava o lugar do silêncio ordenado. Qual era, pois, o motivo dessa emoção, dessa tendência para o sentimento religioso, desses desvios do pensamento estranhos ao princípio da fé?

A pregação de João vos explicará. Depois de um exórdio em que os atributos de Deus haviam sido desenvolvidos com uma potência de palavra e um entusiasmo do coração tais, que ninguém, além dele, era capaz de manifestar, o orador, baixando das alturas da espiritualidade para as imperfeições humanas, humilhou seu próprio gênio com injuriosas alegações e ameaças proféticas.

A impureza dos vínculos, o luxo das festas da Corte, a desmoralização dos governantes, a pesada opressão das leis arbitrárias e cruéis foram exibidas em uma forma tal como que para lançar os espíritos para o caminho da revolta. João tinha seguido uma vez mais o caminho fatal que conduz a virtude ao erro. João havia contemplado as torturas do povo e introduzido o fogo de sua alma no fogo que se alimentava escondido na alma do povo. João havia transgredido a ordem que estava prestes a romper-se. João seria encarcerado, julgado, condenado à morte e decapitado no decorrer do ano destes sucessos; dois antes da crucificação de Jesus.

Minhas recordações levam-me para a purificação dos hebreus no Jordão. Vejo barracas levantadas por todas as partes para albergar os homens durante a noite e servir-lhes de abrigo durante o dia. O poder humano curva-se perante o poder divino e os pecadores vêm implorar o arrependimento, a paz e o esquecimento. A palavra de João entusiasma a multidão e, se eu me entristeço por suas comparações inoportunas, elevo-me em troca na sublimidade de seus ímpetos e identifico-me com seu delirante entusiasmo para a magnificência divina. Os homens que afluíram ali para a purificação das chagas de suas almas purificaram também o corpo com muitas imersões saudáveis nesta estação ardente. Durante a purificação dos homens, as mulheres permanecem nas barracas. Mais tarde, depois de alguns dias, elas também cumprirão com o preceito da lei, para regressarem em seguida todos satisfeitos para seus lares, se todos souberem tirar proveitosas luzes espirituais. As exterioridades da penitência e as resoluções manifestadas nada valem. É necessário a penitência no coração e o cumprimento das promessas.

Irmãos meus, a cabeça de Jesus inclinada e protegida sob o signo da purificação, a cabeça de Jesus que recebeu a ablução das mãos de João, ficou humilhada com a recordação de suas faltas passadas, porém levantou-se animosa para contemplar o porvir que era necessário merecer. Os preparativos de Jesus para receber a água das mãos de João foram-lhe inspirados pela necessidade de demonstrar-se como discípulo de um homem cuja santidade era universalmente reconhecida, e sua iniciação na penitência devia salvá-lo da censura de haver-se colocado acima de um costume tomado da antiga lei e apresentado pelo Solitário sob uma nova forma. A penitência desse tempo era uma manifestação pública que significava, como conseqüência, a reparação das culpas cometidas e o esquecimento das ofensas. A purificação desenvolvia os bons sentimentos e restabelecia a concórdia nas famílias; purificação queria dizer limpeza e alívio das fadigas da alma. A lavagem do corpo e a explicação da função que rodeava o ato constituíam o símbolo da fé. A penitência dos judeus, como a dos cristãos mais tarde, exigia disposições humanas, cujo fruto devia ser a purificação do coração. Mas — ai! — No ano seguinte deviam tomar-se as mesmas disposições para o cumprimento dos mesmos deveres e a fraqueza de espírito teria que encontrar-se em frente das mesmas demonstrações banais.

Irmãos meus, meus queridos irmãos, detenhamo-nos aqui. Examinemos a penitência da alma e expliquemos nosso pensamento sobre este ponto. A penitência quer a expiação e a tendência dos homens para o orgulho impede a expiação. A penitência exige a resolução e a resolução nunca é sincera no cumprimento da penitência. A penitência favorece a alma quando a alma vê o perigo e o afasta. O adiantamento é o resultado da verdadeira penitência. A penitência converte-se tão-somente em uma fórmula religiosa ridícula quando não converte os humildes em fervorosos e fiéis servidores da causa santa de Deus. O humilde não sente já a necessidade do fausto das riquezas e ele emprega essas riquezas em facilitar a instrução e no bem-estar material das pobres crianças da grande família humana, e desenvolve no coração de seu filho o sentimento da fraternidade. O fervoroso pede a Deus sua lei. Deus lhe responde e ele proclama a lei de Deus para tornar melhores os homens. O carinhoso suporta com resignação a miséria, as privações, a perda dos seus; olha com desprezo o luxo que o esmaga e permanece tranqüilo diante da morte que lhe dá a liberdade.

“Irmãos meus, dizia Jesus a seus discípulos, caminhai pela estrada  humana com a vista fixa na pátria da alma. Permanecei pobres e sede pacientes na prova. Vivei entre os homens para consolá-los e reconciliá-los uns com os outros.
          “Acalmai o crepitar das paixões com palavras de misericórdia. Descobri as chagas                   para curá-las e demonstrai vossa força com os impulsos de vossos corações para                  levar alívio a todos os sofrimentos.
          Conquistai o mundo com o amor. Permanecei unidos na graça e fortes sob sua                       influência; defendei vosso espírito contra os assaltos do pecado; mas, se o pecado                 invadir vosso espírito, arrojai-vos entre os braços de vosso Pai e ele vos perdoará.
           “O espírito eleva-se por meio da penitência. “Dizei isto a todos.
           “Solicitai os dons do Senhor com as mãos puras de todos os bens da Terra. Deponde             na porta do templo as honras que vos tributem e esquecei-as ao sair.
            “Depositai as oferendas que vos façam no tesouro dos pobres e sacudi o pó de                        vosso calçado para não levar partícula alguma para vossa casa.
            “Deponde aos pés de vosso Pai celeste as fraquezas e os rancores de vossos                           espíritos e dizei: Deus meu, eu quero elevar-me acima dos desejos da Terra para                    não desejar senão a ti; e acima das injustiças dos homens para fazer resplandecer                 a seus olhos a força que de ti me vem.
             “Fazei praticar as virtudes que eu vos ensino, praticando-as vós mesmos, e regozijai                vossos espíritos participando das alegrias de minha mansão divina.
              “Solicitai meus colóquios e honrai-me como se me encontrasse ainda no meio de                     vós.”

Depois da morte de Jesus, seus apóstolos foram desmaterializados moralmente. Conversavam com o preferido e pediam a Deus os dons da pregação para conquistar o mundo, como Jesus lhes havia dito. Mudavam de residência e se separavam uns dos outros para desviar as perseguições. À minha natureza, à minha presença, eles atribuíam o êxito de sua missão.

Esta grande idéia enchia de brios sua fé e a sublimava por sua valentia e dom de persuasão. Viam-se estes homens, pouco eruditos e simples de espírito, valerem-se de nossas conversações de outros tempos para entabular uma conversação espiritual e animada a respeito da elevada filosofia da alma. Eles honravam meu lugar vazio. Evocavam meu espírito, que gozava da felicidade deles. O terror de meus apóstolos durante minha paixão não havia deixado lugar a que se suspeitasse essa força e essa tranqüilidade que demonstravam depois de minha morte. De que provinha isto senão da ressurreição do espírito? E por que os sucessores de meus apóstolos foram degenerando cada vez mais? Porque caminharam com o orgulho de quem dispõe de bens; porque subiram, com a cabeça que só devia adornar-se para o serviço de Deus, os degraus do poderio humano; porque imaginaram dogmas absurdos e deram em terra com minha doutrina com o exemplo de seus vícios, que ela condena; porque desmentiram minha moral de amor com o ódio e a vingança: porque favoreceram as orgias dos reis e os assassinatos fratricidas; porque fomentaram a discórdia entre os povos e alimentaram o fogo destruidor.

Irmãos meus, a penitência de todos trará a paz sobre a Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mulher e mãe, segundo a natureza humana, Maria, mãe de Jesus homem e Espírito da Terra, chegou por esse tempo a Cafarnaum e nós a encontramos no seu regresso da cerimônia do Jordão. Maria empregou todos os recursos de sua ternura e todos os raciocínios da autoridade materna para persuadir-me da loucura que fazia em cerrar meu coração às alegrias da família para acariciar um propósito quimérico, posto que era tão formoso, acrescentava minha mãe.

Maria chorou pelos perigos que eu afrontava. Vendo suas lágrimas, eu sentia uma profunda dor, um deslumbramento, alguma coisa que me atraía para as alegrias da adolescência, mas subitamente fugi do prestígio do amor materno, pronunciando estas cruéis palavras:

          “Minha mãe, roga por teu filho, já que se distancia neste momento do dever traçado                 pela natureza humana.
           “Mas nota bem a forma de minha repulsa: Não tenho mais nem mãe, nem irmãos,                    nem irmãs, nem parentes, e a potente voz de Deus me chama para o martírio.
            “A mulher deve retirar-se e a mãe consolar-se para deixar ao homem e ao filho a                      plenitude e a liberdade de seus atos.
            “Vai-te, pois, minha mãe, e fazei a Deus o sacrifício de teu filho, como eu lhe faço o                   de minha vida”

Em meu ardor pelo serviço de Deus, esquecia a virtude do espírito encarcerado na matéria e jamais me foi tão penosa a contradição assim resultante entre a fraqueza corporal e a atração do fardo divino. Sentia-me dominado e perplexo entre o dever filial e minhas elevadas esperanças, vendo-se assim turbada a paz da consciência do missionário ante os desmentidos que isto poderia significar para a realidade de sua temerária missão.

Baixava meu espírito das festas da celeste habitação para o árido caminho das harmonias terrestres e sofria pelo abandono de uns deveres para o cumprimento de outros. Uma vez que se foi minha mãe, procurei recobrar essa calma e também essa alegria que me eram habituais; porém meus esforços só conseguiram tornar mais dolorosa minha incerteza. Decidi então estabelecer algum laço entre minha felicidade corporal e minhas aspirações espirituais, entre minha dependência humana e minha elevação de pensamento para o único bem do porvir, entre minha mãe da Terra e meu Pai celeste. Quero dizer que renunciei repentinamente ao meu isolamento a respeito dos meus, e acedi ao desejo de minha mãe de receber um de meus irmãos como apóstolo, e o irmão de minha mãe como administrador de meus interesses pecuniários, em meio de minha vida de pobreza nômada e de caprichosas mudanças.

Fiz-me acompanhar de dois de meus apóstolos. João, filho de Zebedeu, designado como o preferido, e Mateus, o aduaneiro, e depois de haver encarregado a Pedro do cuidado de minha pequena brigada, aumentada de três membros, me dirigi para Nazareth.

Minha mãe cumulou-me de provas de amor e de testemunhos de perdão — Pobre mãe! — O rocio de tua bênção caiu em meu coração como o fogo devorador do remorso e, pela vontade de Deus, sofria tormentos inauditos recordando-me o anterior abandono e preparando meu sofrimento futuro.

Minha doce fadiga, no meio das privações, das humilhações, dos trabalhos, não seria de natureza divina, minha mãe, se nós houvéssemos dividido juntos as mesmas privações, as mesmas humilhações, os mesmos trabalhos; se teu martírio não tivesse sido formado por todas as torturas da paixão; se teu filho houvesse misturado a ternura dos braços maternos à força deslumbrante dos transportes divinos.

Sim, minha mãe, a abundância da graça e a abundância dos desejos de minha alma me afastavam de ti, mas a fraqueza do homem me devolvia ao teu amor e o destino de minha missão se viu freqüentemente comprometido por esta minha fraqueza.

Sim, minha mãe, a majestosa filiação que me cobiçava, humilhava meus laços terrenos, porém o calor de meu coração te chamava quando a frieza de minhas palavras te afastava.

Sim, minha mãe, eu te amava... mas tinha que apoiar-me na rigorosa defesa de meus sentimentos em frente da calorosa expressão dos teus.

Sim, minha mãe, as lágrimas inundavam meu coração enquanto que minhas aparências demonstravam tranqüilidade e quando formas abstratas escondiam as pungentes emoções de minha alma. Mas isto era necessário. Meu amor fraternal devia estabelecer-se sobre as ruínas das demais formas de amor, minha filiação divina tinha que esmagar minha filiação terrestre; minha missão de espírito tinha que matar meus gozos humanos e a alegria espiritual de minha alma devia preparar a pureza de meu ser!

Maria acreditava na volta do filho à casa paterna, porém sabia que este regresso só anunciaria o remorso pelas faltas cometidas em nossa última conversação e havia recebido forças de Deus para estar preparada para uma separação que lhe parecia dever ser definitiva.

Quando ficou viúva, Maria tinha contado com os filhos de seu marido para encaminhar aos seus, isto é, para colocá-los honrosamente nas fileiras de uma classe laboriosa. Minhas duas irmãs se haviam casado há pouco tempo e dos quatro filhos de Maria, unicamente o mais jovem, chamado Tiago, tinha permanecido inativo, chegando por isso minha mãe a pensar em confiar-mo.

Desde o momento que a firmeza de minha vocação, dizia minha mãe, me havia impedido até esse momento de ajudá-la, era necessário, pelo menos agora, que tomasse a meu irmão mais moço sob minha proteção. Examinei o jovem, que se me apresentava como meu futuro discípulo, e fiz um rápido exame de seus defeitos e aptidões. Tiago tinha as aparências de um homem, porém não era mais que um rapaz. Alto e robusto, de olhar indeciso e de gestos bruscos, manifestava seus pensamentos sem elaborá-los. Desprovido de instrução, sua memória retinha, tão-só mediocremente, as impressões de sua alma. Estava embebido de preconceitos a respeito da personalidade de Deus, porém era de coração terno, desejoso de progredir e enfatuado pela honra de seguir-me. Era-me necessário tornar a fundir a cera que revestia este espírito. Minha mãe se alegrava desta união que ela vinha assim a formar e me enaltecia aos olhos de meu irmão, designando-me com os qualificativos de poderoso e de inspirado nos caminhos do Senhor.

Meu tio, o único irmão de minha mãe (sublinho isto como um desmentido à versão que atribui a Maria uma irmã com o mesmo nome de Maria), meu tio, digo, era o mais convencido entre os membros da família, a respeito de minha missão; queria acompanhar-me até à morte, dizia, e cumpriu sua palavra. Heróica grandeza! Fervoroso fanatismo! — Devoção de natureza superior! vos haveis manifestado neste homem como revelação espontânea do sentimento e expressão singela de um verdadeiro servo de Deus.

Oh, meu Deus, tu me reservaste esta alegria e eu aceitei, feliz, o oferecimento desta dedicação, deste fanatismo, desta grandeza! Meu irmão Tiago tinha vinte anos. Meu tio viúvo e pai de duas filhas já casadas, era dois anos mais jovem que minha mãe. Tiago, meu tio, acompanhou-me até o Calvário; Tiago meu irmão fugiu louco de dor. Maria de Magdala e Maria minha mãe foram as duas únicas mulheres que contemplaram minha agonia sobre a cruz.

Cleofas era um filho de José, nascido do seu primeiro matrimônio com Débora, filha de Alfeu. Este particular é tão insignificante como o erro que lhe deu lugar e o deixaremos aí. Tiago, meu tio, desejava participar do caráter sagrado da obra, reservando-se o humilde papel de encarregado das funções materiais e recusou o título de apóstolo, que o teria impedido, dizia ele, de manter convenientemente o equilíbrio de meus meios de subsistência. De antemão minha mãe me havia deixado entrever este desejo, claramente manifestado depois por ele, e eu pude compreender desta conjuração dos irmãos o delicado sentimento de carinho, cheio de compaixão, que a ambos inspirava.

Passei alguns dias no seio da família e muitos habitantes de Nazareth se apressuraram em convidar-me para suas refeições. Cumularam-nos de distinções a mim e aos meus discípulos, com o fim de poderem examinar-nos mais de perto e apreciar, cada um segundo seus conhecimentos, o valor de nossas personalidades.

De minhas irmãs, uma vivia em Nazareth e a outra em uma pequena cidade chamada Canaã. Fomos a Canaã; conta-se que fui atraído por umas bodas em cujas circunstâncias teria chamado a atenção sobre minha pessoa por meio de um milagre — Milagres. — Sempre milagres!

Oh, irmãos meus, quão doloroso é ter que ocupar-me de tal impiedade! — Como sofre meu sentimento de homem ao ter que desmentir as aberrações dos homens! Em quase todas as particularidades de minha vida terrena se encontram semelhanças que surpreendem, com o que sucede agora em uma parte do mundo civilizado.

Minha presença no casamento de Canaã foi um simples efeito de minha deferência para com os desejos de minha mãe. Minha presença era efeito de minha própria vontade. Minha presença humana na humana família, foi apenas notada. Minha presença nesse pequeno recanto do universo bem poderia negar-se. Mas, que se precisava para arrastar os homens para o fanatismo? — Milagres. — Pois eles fizeram milagres. Que se requer para que seja admitida minha identidade, agora? — Uma prova material, entendendo-se por prova material o aniquilamento de uma lei fundamental da organização física dos elementos. Na natureza espiritual, nós não dispomos dos elementos da natureza terrestre e não podemos fazer milagres com o único objeto de entreter os homens; mas podemos dar-lhes forças para que creiam em nós. Atribui-se minha presença entre os homens a efeitos de minha natureza espiritual, sem ter em conta as impossibilidades materiais, e se pedem efeitos materiais à minha natureza de completa espiritualidade, sem ter em conta as leis divinas que governam esta natureza de espiritualidade.

Que espíritos que se encontrem no estado de espiritualidade transitória excitem a curiosidade e façam nascer a surpresa nas assembléias humanas, com demonstrações físicas, que a maior parte dessas assembléias fiquem convencidas da presença dos desencarnados, é cousa útil para levar claridade no meio da escuridão. Porém os espíritos de Deus não vão para a escuridão e não se apoderam jamais do espírito humano com jogos de prestidigitação. Descem de sua espiritualidade para honrar os espíritos encarnados desmaterializados já dos desejos. Eles fazem a luz nas consciências; eles emancipam a alma; desencadeiam as vontades; desenvolvem o sentido da verdade divina, conduzem para a alegria, para a felicidade e a paz eterna.

Irmãos meus, em minha vida carnal eu não podia ter forças divinas, que me haveriam elevado ao apogeu das honras humanas, e em minha vida de espírito não devia exercer um poder humano para tornar evidente minha essência espiritual.

Adoremos o poder de Deus, porém não lhe peçamos jamais o que é contrário à ordem estabelecida.

Adoremos a graça, porém não queiramos ver nela mais que um meio para chegar à elevação do espírito.

Adoremos a sabedoria dos decretos divinos e pensemos discretamente com a idéia que Jesus não veio à Terra e não volta agora para ela para deprimir o bom senso humano e comprometer a justiça de seu Pai. Deprimir o senso humano seria arrastá-lo para as crenças da antiga barbaria ou infância dos povos, comprometer a justiça de vosso Pai seria chamá-lo para comprovação de minha palavra de outras maneiras que pelos meios divinos e pela edificação de minha doutrina.

Permaneçamos em uma piedosa expectativa e não participemos do erro comum entre os espíritos humanos, pedindo novos milagres semelhantes aos milagres antigos e estúpidos como o das núpcias de Canaã. No festim de ditas núpcias os homens se embriagaram tanto, que me arrependi de haver ido para o meio deles. Minha mãe disse-me: Mesmo que se convertessem as fontes de água em fontes de vinho, eles as esgotariam. Estas palavras, ouvidas por um dos presentes, andaram de boca em boca à volta da mesa. Modos de moralidade duvidosa, propósitos de má lei, gracejos descabidos a meu respeito e de meus apóstolos deram fim a uma festa durante a qual haveria transformado seguramente o vinho em água, se me houvesse sido dada a possibilidade de fazer um milagre. Saí de Canaã na manhã seguinte e de Nazareth poucos dias depois.

Cansado de manifestações populares, tinha pressa em voltar a entregar-me aos meus trabalhos, no meio de meus discípulos, sem deixar-me distrair por honras fanáticas e por sonhos ambiciosos; honras destinadas aos homens cuja vaidade queria lisonjear-se, sonhos manifestados nas intimidades do apóstolo preferido com o doce mestre, como João me chamava.

Irmãos meus, Mateus encontrou-se também, como João, nas núpcias de Canaã; porém somente João se apoderou deste fato para lançar a dúvida nos espíritos. Foi João quem me expôs à adoração dos homens com a narração de mentidos milagres. Foi João quem se deixou surpreender em flagrante delito de incapacidade, quer seja em seus discursos, quer seja por motivo do silêncio que guardava quando as circunstâncias lhe exigiam o dever de falar. João é o responsável pelas forçadas humilhações de Jesus em face dos desmentidos e dos juízos humanos. É a João a quem as novas gerações devem culpar pelos erros das gerações passadas, porque foi ele quem espalhou as palavras de fanatismo, foi ele quem rebaixou minha missão aos olhos dos contemporâneos e que as tornou impossível de reconhecer aos olhos da posteridade. Eu tinha por este discípulo a fraqueza que têm as mães pelo filho cuja constituição física exige mais cuidados que a dos outros e não me preocupava das vergonhas futuras que me preparavam suas loucas ambições, quando o fato das núpcias de Canaã veio abrir-me um vasto campo de reflexões funestas. Em minha pobre estada humana, irmãos meus, o caminho de minha missão foi sempre embaraçado pelos homens que me rodeavam, e minha deferência para os desejos dos demais tomou uma aparência de fraqueza. Mas agora é necessário divulgar a verdade sem restrições humanas, tal o espírito de Deus a vê e a compreende.

Mas agora devem deixar-se as atenções de lado com respeito aos erros que têm ocasionado os tristes resultados que se apalpam.

Mas agora convém semear com a palavra divina e desenvolver a maturescência dos frutos para aprovisionar com eles aos filhos da Terra.

Definirei a maneira de ser de João dizendo que era ela como a da generalidade dos homens, que desejam ver o maravilhoso encadeamento dos desígnios da Providência e são insaciáveis de graças e promessas, a ponto de atribuírem-se exclusivamente o mérito das graças e promessas espalhadas pela graça divina.

Concretizemos: João foi de boa-fé em seus desejos até que os sonhos de sua imaginação delirante o impeliram a dar vida às divagações de seu espírito, e me amou por todas as razões que fizeram dele o mais terno e entusiasta de meus discípulos . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Em nosso regresso a Cafarnaum, encontrei todos os meus discípulos reunidos na mais perfeita inteligência. A animação a que deu lugar meu regresso encheu-se de atrações para meu coação. João, humilhado a princípio pela recordação de sua falta, voltou a assumir suas prerrogativas habituais, que consistiam em colocar-se a meus pés, quando os outros me rodeavam, e a meu lado durante as refeições. Já hei dado a conhecer o suficiente sobre Tiago meu tio e Tiago meu irmão. Devo mencionar agora o nome de meus outros três discípulos. Eram: Deodoro ou Dídimo; Filipe ou Eleazar, mais conhecido pelo primeiro nome, e Judo, primo de Pedro. Com o fim de distinguir aos dois Judos se designou ao outro com o nome de Judas.

Durante o dia percorríamos a campina dos arredores e à tarde voltávamos a Cafarnaum. O descanso e a acolhida fraternal nunca nos faltaram ali. Todos os pobres desejavam tocar as vestes e a capa daquele que dizia: “Felizes os que sofrem neste mundo, porque verão a Deus. Desgraçados daqueles que vivem aqui na abundância e na alegria, porque a justiça de Deus prepara-lhes privações e tristezas” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Mas nenhum enfermo foi curado pela aplicação⁴ de minhas mãos sobre ele, nem jamais a autoridade de minha voz fez recuperar a vista aos cegos e o ouvido aos surdos, nem a morte jamais restituiu sua presa, pois eu o disse: “As leis de Deus são imutáveis”.

Concluo aqui este capítulo, irmãos meus.

¹ Como fiz notar desde o princípio, Jesus empenha-se em todos os momentos em anular a importância atribuída a seus poderes psíquicos, que parece não obstante possuíra-os em elevado grau. É que ele dá toda a importância à doutrina e, convencido sem dúvida do grande prejuízo que ela e sua personalidade têm sofrido pela propaganda milagreira que se lhe tem feito, manifesta os efeitos da reação que é sempre algo exagerada, a qual, unida à sua peculiar modéstia, acabou por esforçar-se em ocultar ou desvirtuar tudo aquilo que possa guardar alguma relação com o milagre por mais que se trate muitas vezes de realidades explicáveis em face dos conhecimentos que atualmente se tem a respeito das ciências psíquicas. Contudo, os estudos minuciosos feitos nos demonstram que todos os grandes iluminados, chamaremos assim a todos os grandes espíritos que têm guiado os movimentos religiosos verdadeiros (quer dizer, os que têm por norte, não as paixões humanas, senão a verdade e o bem), se têm demonstrado sempre possuidores de poderes psíquicos e medianímicos especiais. Jesus, portanto, não pôde deixar de possuí-los, e ainda que procure ocultá-los descobrem-se-lhe em várias partes desta mesma obra. — Nota do Sr. Rebaudi.

² As palavras: “A André, dei-lhe ânimo, dizendo-lhe” foram acrescentadas na segunda edição espanhola para aclarar a passagem, que doutra forma não teria sentido. — Nota do Sr. Rebaudi.

³ Jesus falava como um iluminado, com a convicção profunda de sua missão. Esta idéia dominava tudo nele e nos explica o porquê desta sua forma de linguagem para com a mãe. Os homens chamados equilibrados não podem julgar os gênios e de que Jesus o fora nos prova a visão clara dos resultados de seu sacrifício, que ele aceitou justamente por julgá-lo necessário para o seu intento. Resulta disto que não somente Jesus era uma grande alma, senão também um gênio. Representava, pois, a encarnação de um espírito verdadeiramente elevado. — Nota do Sr. Rebaudi.


⁴ Isto poderia significar simplesmente que Jesus nunca empregava as aplicações e que seguramente também não empregou as fricções nem as insuflações e nem ainda os passes, senão simplesmente as imposições e a ação direta do pensamento. — Nota do Sr. Rebaudi.