Passa já da hora o vosso despertar espiritual . . . Saiba que a tua verdadeira pátria é no mundo espiritual . . . Teu objetivo aqui é adquirir luzes e bênçãos para que possas iluminar teus caminhos quando deixares esta dimensão, ascender e não ficar em trevas neste mundo de ilusão . . .   Muita Paz Saúde Luz e Amor . . . meu irmão . . . minha irmã

sábado, 28 de dezembro de 2013

CAPÍTULO V - Livro:Vida de Jesus ditada por Ele Mesmo Ocupa-se o Mestre de seu messianismo, que deu origem ao seu título de Filho de Deus, tomado resolutamente. Suas pregações deram lugar a uma séria oposição, e para acalmar a má vontade do Clero resolveu retirar-se por algum tempo para Cafarnaum.



Irmãos meus, o título de filho de Deus elevava minha missão, purificando minha personalidade humana no presente e assegurava minha doutrina para o porvir. Com este título de filho de Deus eu renunciava a todas as honras, a todas as ambições da Terra e meu espírito tinha que sair vitorioso em suas lutas com a natureza carnal. O título de filho de Deus havia de converter-se em um meio de prestígio para dominar as massas, enquanto que poderia depois explicá-lo oportunamente aos homens mais iluminados. Dito prestígio me proporcionaria a possibilidade de ampliar meus alicerces e de assegurá-los.

Preocupava-me sobretudo a posteridade e seu acolhimento parecia-me depender da fé que eu lhe chegaria a inspirar, considerando-se a minha luz como um reflexo da luz celeste.

Contudo, a solidão suscitava às vezes dúvidas e temores em meu espírito e eu me interrogava a mim mesmo então se consistiria realmente em tudo aquilo o objetivo de minha vida.

Espíritos perversos haver-me-iam talvez impelido por um falso caminho? — Seria frutífero o sacrifício de minha tranqüilidade e de minhas alegrias humanas? — Ou meu poder de filho de Deus se despenharia miseravelmente ao solo? — Indecisões fatais, vós pondes em prova a fraqueza do espírito quando se encontra envolto na natureza corporal!¹

Jerusalém parecia-me lugar pouco favorável para implantar minha doutrina. Porém antes de deixá-la eu queria experimentar minhas forças e pôr em prática meus meios de ação sobre a multidão; apresentei-me, pois, no templo rodeado de meus fiéis sequazes.

Era costume que todo homem de alguma fama tomasse aí a palavra, cousa que eu tinha feito muitas vezes. Mas devo confessar que a eloqüência sagrada me era difícil, e que em todos os meus discursos minha fraqueza se fazia evidente, pela luta que se estabelecia entre minha natureza física e o desejo veemente de manifestar meu pensamento. Os olhares que se fixavam em mim, muito de perto, e as interrupções freqüentes, eram suficientes para perturbar meus sentidos e desviar minha memória. Via-me então lançado em certa desordem de idéias e desenvolvia teorias alheias ao tema que primitivamente me havia proposto. Se bem tenha eu vencido mais tarde esta dificuldade, é digno de notar-se que aquele defeito dominava sempre em mim. Mas nesse dia devia preocupar-me muito das aparências. Do efeito que devia produzir diante de pessoas dispostas a causar-me dano e diante de outras prontas a crer em mim, a seguir-me e a defender-me.

Tomei como tema de minha conferência o seguinte: “A Majestade Divina em permanente emanação com suas obras”, e me constituí em negador da eterna vingança de meu Pai amado. O terror da gente, que até então me havia tido por um extravagante, cujas máximas não podiam inspirar apreensões, chegou ao cúmulo. A maior parte dos ouvintes pendia de meus lábios quando desenvolvi a idéia da correlação dos espíritos de Deus na habitação passageira do homem.

Falando a respeito de minha filiação divina, com a ciência das honras de Deus para a criatura, vim colocar-me à frente dos reformadores de todos os tempos e como o precursor de um porvir de paz e de luz. Nessa filiação a favor de um só se encerravam promessas para a humanidade inteira, porquanto, se bem que eu me atribuía a honra dessa filiação, acrescentava que todos os homens adquiririam a mesma honra. Depois, chegando ao último juízo, eu disse: “Deus virá sobre uma nuvem acompanhado de seu filho e dirá aos justos: “Aproximai-vos de mim, e dirá aos réprobos: Apartai-vos de mim, permanecei no inferno até à purificação de vossas vidas”.

Era a vez primeira que alguém se atrevia a admitir a purificação no inferno e a estranheza de meus ouvintes deu lugar a repetidas objeções, às quais eu respondia desenvolvendo minhas doutrinas. Minha presença ao lado de Deus foi interpretada como uma explosão imaginativa, o que aceitei. A pregação nesse tempo, irmãos meus, não impunha essa atenção muda e respeitosa como atualmente. A má-fé do orador denunciava-se por sua indecisão ao responder às objeções dos ouvintes, e a paciência destes em escutar as demonstrações sábias e religiosas era uma prova do trabalho de seus espíritos que buscavam compreender os preceitos e a moral que deles resulta.

A maior parte dos homens que estavam presentes, nesse dia, às manifestações de meu pensamento, opinaram que eu era uma pessoa muito excêntrica, e que minhas palavras encerravam o anúncio de uma missão divina. Mas uma minoria de meus ouvintes interpretou meus propósitos como um atentado ao culto que se devia a Deus, e classificou de rebelião minha resolução de esfacelar as antigas crenças.

Saí do templo aclamado pela multidão, mas não se me ocultaram os olhares de ódio e as ameaças dos que já se haviam declarado meus inimigos. Ao tornar a entrar fui aclamado freneticamente, ficando nesse momento equilibrado por meus fiéis o poder dos sacerdotes. Creio que, se meus perseguidores houvessem demonstrado naquele momento suas intenções, e tivessem posto em prática a primeira parte de seu programa, minha personalidade se teria colocado imediatamente a uma altura inacessível para os assaltos e para as falsas interpretações daqueles que queriam obscurecer minha fama, quer seja intentando divinizar uma criatura ou combatendo grosseiramente o duplo sentido com a injúria ou ainda sustentando a impiedade ao negar o caráter divino de minha mensagem.

Separei-me dessa multidão que talvez me houvesse aturdido, porém repito que, se tivesse permanecido por mais tempo em Jerusalém, haveria persistido o entusiasmo de meus aliados, e a impotência dos meus inimigos. A mesma forma de morte haveria terminado minha vida, na mesma época, porém, quantos trabalhos se teriam realizado, quantos discípulos inteligentes se teriam reunido, quanta ressonância e que resultados seriam conseguidos!

Irmãos meus — peçamos a Deus o advento dessa religião universal tão esperada, que fará resplandecer Deus e a sua providência, Deus e o seu amor!

A natureza humana é viciosa porque o homem nasce da lubricidade. Mas, passando pelas provas da carne, o homem desliga-se desta natureza pela força de sua vontade, e achando-se o sentimento humano subordinado ao sentimento religioso o espírito adquire o desenvolvimento que o aproxima à pura essência de Deus. Trabalhai neste desenvolvimento, irmãos meus, a sublime religião de Deus vô-lo recomenda.

 Eu sou o anjo de vida e digo:

            “A vida é eterna, os sofrimentos apenas duram poucos dias; sofrei com coragem, a                  sublime religião de Deus vô-lo recomenda”.

 Eu sou o espírito de luz e digo:

              “A alegria inundará aos que tenham caminhado na luz”.
  
Irmãos meus, a sublime religião de Deus vos ordena demonstrar vossa fé, aspirando o ar da liberdade de vossa alma; adornar vosso espírito, buscando o caminho da verdadeira felicidade, humilhar vosso corpo, cansando-o com o exercício da caridade, privando-o das honras faustosas e dos gozos grosseiros, elevando-o acima dos instintos da natureza animal no que esta tem de mais feroz e asqueroso. Pedi à luz a verdade do porvir que está muito acima das mentiras e loucuras da terra. Pedi e recebereis, irmãos meus, porque eu sou o espírito de luz e vos amo. —

Purificai vossa natureza carnal, ó vós que quereis entrar em comunicação com os espíritos puros; pedi luz à ciência de Deus, ó vós que desejais viver e morrer na paz e no amor!. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Parti de Jerusalém com destino a Cafarnaum, cidade situada à margem do lago de Tiberíades e quase completamente habitada por pescadores, negociantes e empregados do governo. Cafarnaum pareceu-me de tal maneira adaptada para meus fins de proselitismo, que desde o primeiro momento fiz dessa cidade o centro de minha ação e da esperança de minha vida de apóstolo. Os pescadores de Cafarnaum eram-me simpáticos por sua alegria franca e honrada. Os negociantes me pareciam restos de povos diversos atirados para ali talvez por um capricho da sorte, e os oficiais do governo davam-me a impressão de testemunhas, felizmente colocados ali para proteção de um homem, cujos discursos iriam mais além que o permitido pelo Estado.

A medíocre fortuna dos mais ricos de Cafarnaum assegurava-me um tranqüilo ascendente tanto sobre as classes pobres quanto sobre as mais favorecidas. Os costumes simples e as limitadas ambições favoreciam o engrandecimento do círculo de meus ouvintes e meu poder como Filho de Deus se estabeleceria nos corações dos fiéis depositários de minha palavra com maior tenacidade que em nenhuma outra parte.

O benévolo acolhimento que me foi dispensado em Cafarnaum tinha seus motivos nas recomendações de meus amigos de Jerusalém. Meus primeiros protetores foram aqui, estes também, meus primeiros discípulos, e minhas tarefas foram das mais fáceis a princípio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . .
Façamos por merecer, queridos irmãos, com esforços elevados e com o terno reconhecimento dos nossos corações, que Deus nos aplaine os caminhos abertos diante de nosso espírito para levá-lo ao apogeu da ciência e da prudência, porém jamais digamos que a providência nos conduz; não afirmemos que nossos passos estão assinalados e que tal espírito é guiado por tal espírito. Não, a justiça de Deus é mais elevada e todos os homens têm direito à sua misericórdia. Que gênero de aliança com os espíritos de Deus quereis irmãos meus, que engendre vossas alegrias se vós não a mereceis com o ardor e a perseverança de vossas resoluções? — Que manifestações podeis esperar de Deus se entre vós não reinar a concórdia e a justiça? — De quantos erros, em troca, e de quantas mentiras não sereis vós outros o joguete se com vossa vergonhosa vida facilitardes a aliança de vosso espírito com os espíritos embusteiros da Humanidade mortos no opróbrio? — Desligai-vos do erro, desligai-vos dos amores corrompidos e a verdade vos descobrirá seus tesouros e o amor divino manifestará seu calor à vossa alma.

Fazei os preparativos de vossa elevação, adornai a casa em que guardais o espírito de Deus para que ela seja digna dele. Atirai para o lado as cousas malsãs e lavai as chagas por elas deixadas para que o espírito do Senhor não se sinta repelido e se afaste. Limpai a cabeça, limpai o coração, limpai o espírito, limpai a consciência e facilitai a entrada na habitação com ternos chamados, com firmes promessas e com ardentes desejos.

Ah! Irmãos meus: Quanto se enganam os que crêem que o caminho dos acontecimentos está submetido à fatalidade e que essa fatalidade, cujos golpes ecoam no coração do homem, fere cegamente, inculcando à criatura a ausência de um Ser Inteligente.

Uma vez mais. Não. A justiça de Deus existe e para todos a fatalidade não é outra cousa que o castigo merecido. A fatalidade respeita-vos quando vos encontrais sob a proteção de um espírito de Deus, mas esta proteção não se adquire sem sacrifícios e os sacrifícios são expiações. A supremacia do mando, a servidão, a riqueza, a escravidão, são expiações. A virtude nos reis é pouco comum, a coragem nos escravos é pouco comum, o vigor do espírito nos deprimidos é pouco comum, a liberalidade nos ricos é pouco comum. Entretanto, todos se livrariam da fatalidade mediante a virtude, a coragem, a energia do espírito e a liberalidade. Todos progrediriam no caminho do próprio melhoramento se estivessem convencidos da justiça de Deus e das promessas da vida eterna. A justiça de Deus a todos nós protege com o mesmo apoio e nos carrega com igual fardo. Ela nos promete a mesma recompensa e nos humilha do mesmo modo, nos alumia com o mesmo facho e nos abandona com o mesmo rigor.

Não preludiemos nossa decadência intelectual com a aceleração de nossos princípios religiosos; alimentemos em troca nosso espírito com o quadro, colocado constantemente na luz diante de nós, da infalibilidade da Justiça Divina. Peçamos a proteção dos espíritos de Deus, mas não imaginemos que eles hão de proteger uns mais que os outros sem a purificação da alma protegida.

Eu me havia desviado do meu objetivo ao afastar-me de Jerusalém, porém remediei em parte meu erro estabelecendo-me em Cafarnaum. Entretanto, os espíritos de Deus não me haviam guiado nestas circunstâncias, porquanto a parte intelectual de minha obra pertencia-me completamente. O objetivo de minha vida devia honrar-me ou encher-me de arrependimento, e os espíritos de Deus se apartariam de mim se minhas alegrias humanas maculassem sua pureza.

Espíritos de desordem inspiravam-me penosas indecisões, espíritos de trevas agitavam minha mente com dúvidas a respeito de meu destino, espíritos de orgulho faziam resplandecer diante de meus olhos a pompa das festas mundanas e o prazer dos amores carnais. Perdido no meio de uma perturbação inexprimível, levantava os olhos ao céu com olhar esquadrinhador e, mais firme depois da prece, lutava com coragem. Bem o sabem os que dizem: “Jesus foi transportado sobre uma montanha e o demônio mostrou-lhe os reinos da Terra para tentá-lo”. Irmãos meus, o Demônio, figura alegórica do espírito do mal, encontra-se onde quer que estejam espíritos encarnados na matéria, e eu me encontrava entregue às ondas desse mar que se chama Vida Humana. A lei de perdição, a lei de conservação, os gozos materiais, os gozos espirituais disputam o espírito do homem e a vitória coroa o espírito que soube lutar até sua completa purificação.

Eu reprimia os instintos da natureza carnal, haurindo forças no eterno princípio do poder da vontade, pois a luz do meu espírito só me iluminava durante o repouso que se segue à luta, durante a calma que vem depois da tempestade. Devido tão somente à minha força de vontade eu era senhor das paixões funestas para o progresso do ser e durante o descanso de minhas forças parecia que a memória espiritual renascia em mim; considerava então a habitação temporária do corpo como um estreito cárcere para o espírito e o ar da liberdade anímica penetrava em meu peito em celestes aspirações.

A facilidade que eu tinha para descobrir as fraquezas dos homens colocava-os sob minha dependência. Minhas palavras tomavam o caráter de revelações, quando as chagas ficavam a descoberto, e a aparência de predições, quando a indignação transbordava de meu peito. Meus esforços em curar se dirigiam também ao corpo, cujos sofrimentos me era dado apreciar por alguns estudos adquiridos a respeito. Pelo que diz respeito aos meus meios de curar, consenti em admitir, irmãos meus, que sua virtude era puramente humana, e deixai que meus milagres durmam em paz.²

Estes atiraram sobre mim essa nódoa da qual venho agora livrar-me. O Centurião de Cafarnaum é um personagem tomado dentre os que me deveram a saúde e a tranqüilidade. A tudo o que disseram com referência a este fato³ eu lhe oponho um desmentido formal, porquanto essas palavras não podiam senão ser favoráveis à crença em minha divindade, enquanto que ninguém em minha vida carnal me tomou por um Deus; porque as multidões eram mantidas por mim na adoração de um só Deus, Senhor e dispensador da vida; porque meu título de filho de Deus não implicava a transgressão do princípio sobre que descansa a personalidade divina, porque a eterna lei dos mundos coloca a morte corporal no abismo do esquecimento, entretanto o pensamento segue o espírito no campo da imortalidade; porque a morte é o termo prescrito pela vontade divina, que não pode desmentir-se; porque a ressurreição deve estender-se tão somente no sentido da libertação do espírito; porque a ressurreição do corpo seria um passo para trás, ao passo que o espírito caminha sempre para diante. A ressurreição, irmãos meus, jamais tem lugar, a morte nunca devolve sua presa. A morte, emblema da petrificação, é o aniquilamento da forma material. O espírito que abandonou dita matéria não se preocupa mais dela e só a vida que se abre diante dele o cativa e o arrasta.

Jesus não pôde ressuscitar ninguém. Tampouco foi Jesus quem curou com a imposição das mãos 4 e com suas palavras. — Ele orou, pediu a libertação dos enfermos e consolou os pobres, fez brotar alegrias no coração dos aflitos e esperança na alma dos pecadores. A terna melancolia de suas conversações atraía para junto de si os melancólicos e às vezes sua terna alegria descarregava os mais sinistros semblantes. Os pobres eram seus assíduos companheiros e as mulheres de má vida corriam para ele para beber em suas palavras o olvido, a força, a compaixão e o ânimo. A temerária ousadia do justo não arrastou jamais Jesus para o ridículo, e, sobre a vergonha, ele estendia com rapidez o véu radiante da purificação.


 “Meu Pai, dizia, conhece nossa fraqueza. Ele nos espera e nos  chama  com carinhoso empenho. Corramos a atirar-nos em seus braços e os maiores delitos serão perdoados.
“Meu Pai é também o vosso; minha habitação será igualmente a vossa.   Deixai pois vossos mortos e vinde habitar com os vivos.”

Com as palavras vossos mortos eu queria indicar os excessos e os projetos insensatos, as desilusões e a nódoa da vida, os gozos desordenados, os infortúnios fatais para a prosperidade material e as más influências do amor, do ódio, do remorso e do terror, do pecado e do temor do castigo. As alegrias inocentes devolviam o sorriso a meus lábios e as crianças eram sempre por mim bem recebidas.

“Deixai vir a mim os pequeninos”, dizia, e tomava suas mãos entre as minhas e os enchia de carícias. Os ódios e as discussões acalmavam-se pela virtude de meu ascendente. Todas as rivalidades desapareciam do círculo que eu tinha formado, e a terna simpatia das mulheres lançava sobre minha vida a sombra protetora das mães, pelos cuidados que eram inerentes à minha pessoa.

Eu costumava descansar em uma barca de pesca durante a noite, das fadigas do dia, escutando as alegres palestras de meus amigos. Os deveres do apostolado, os ensinamentos do pastor, deixavam lugar, durante essas horas de repouso, a expansões cheias de atrativos, de confidências e de afetos. Os filhos me entretinham com as alegrias e tristezas próprias de sua idade, e os pais me interrogavam a respeito das aptidões de cada um e da posição que lhes convinha. — Que noites deliciosas nos proporcionavam o esplendor da abóbada celeste, a transparência da água, a ânsia dos corações, a simplicidade das almas, as preces ao Criador e a felicidade resplandecente em meio da mediocridade e do trabalho!

Irmãos meus, eu bebo nestes momentos em minhas recordações, e quisera reproduzir-vos a emoção de meus fiéis quando, de pé sobre uma tábua, colocada através da barca, eu lhes explicava as grandes verdades do porvir. Assim se terminavam com os festejos luminosos do espírito as ardentes festas do coração, e não deixava meus amigos senão rodeado e abençoado por eles.

Minha hospedagem era na casa de certo BarJona, pai de Cefas e de Simão;5 o primeiro chamado mais tarde Pedro, o segundo chamado pelos homens André; os três eram pescadores.

As prerrogativas de Cefas têm sua origem no carinho extraordinário que me demonstrou desde os primeiros dias. O caráter sombrio do irmão não deu lugar à mesma confidente expansão. Poucas fisionomias me ficaram tão profundamente gravadas como a de Cefas. Vejo ainda a expressão dessa careta cheia de franqueza e de certa finura. Seus olhos eram azuis e lançavam relâmpagos de inteligência, por cima dumas faces frescas e rosadas, e seus lábios grossos sorriam freqüentemente, com o descuido ingênuo de um alegre filho da Natureza.

A cabeça de Cefas era grande, seus cabelos abundantes e dourados, largos os ombros e elevada a estatura. Seus movimentos, um tanto vagarosos, denunciavam reflexão. Mesmo no meio dos trabalhos mais ativos sua fisionomia refletia com fidelidade as emoções da alma. Quando pensei em atrair seu carinho para mim, deteve-me com estas palavras: “Já que a oração é eficaz quando sai de teus lábios, Senhor, ordena aos ventos que me sejam favoráveis durante a noite. Enche minhas redes, e eu acreditarei no Poder de tuas palavras.”

“A oração, lhe respondi, honra a quem a eleva; pronuncia tu  mesmo, amigo meu, a fórmula de teus desejos e Deus te ouvirá se esses desejos forem a expressão da sabedoria e das necessidades de tua vida”.

Meu pobre Cefas não estava acostumado à elevação do coração mediante a prece e pouco depois de minha chegada se preocupava das cousas da vida futura. A oração foi-lhe ditada por mim e na manhã seguinte em suas horas médias (da manhã) fui me informar do resultado. Encontrei os pescadores muito atarefados, encontrando-se já na sétima venda pescados, apanhados durante a noite. Receberam-me em festa e Cefas se ajoelhou dizendo:  “Senhor! — Senhor! — Tu és certamente aquele que Deus enviou para fazer-me paciente nas adversidades e alegre na abundância”.

Levantei Cefas e lhe disse:

“Somente Deus é grande, somente Deus merece teus transportes de reconhecimento e de amor. Tão-só Deus, forte e poderoso, distribui a abundância e as bênçãos aos que lhe dirigem suas orações”.

Retirei-me deixando os pescadores em liberdade de entregarem-se às suas fainas. Não faltou quem, exagerando o alcance deste fato, favorecesse a crença nos milagres. A religião pura e simples de Jesus não existe mais. Com fausto delirante, honras tolas e frias relíquias, caiu essa religião ao nível das mais absurdas fábulas. As elevadas verdades ensinadas por Jesus foram substituídas por fantasias e os fanáticos partidários de minha Divindade arrastaram meu nome entre o lodo e o sangue, nos abomináveis espetáculos da Inquisição e sobre os campos de batalhas ímpias.

Pobres mártires! — E vós, intrépidos lutadores da razão, marchai através dos mundos! Correi em busca das verdades eternas! Ascendei sobre as sufocantes humanidades e derramai luz sobre elas! Teus esforços e teu patrocínio serviram para a emancipação de alguns homens, ó jovem e intrépido atleta das arenas da inteligência! E tu em troca... morres pobre, desejoso de viver ainda para dar termo à página começada! A página começada será terminada em outra parte e tu te verás libertado deste corpo de lodo, distanciado destes estertores de morte, desiludido das sombras, impelido para a luz infinita, saciado de amor e de liberdade!...

Decidido campeão de uma nova idéia, tu vais expiar teu delito... A morte aí está; a morte no meio de uma multidão gritadeira e estúpida... Mas te sustentarão os anjos em tua hora suprema e ascenderás para a luz eterna!...

Desce, irmão meu, os últimos degraus da vida humana, eles te conduzirão para o vestíbulo da eternidade. O túmulo abrirá para ti os esplendores do dia e te serão reveladas as harmonias do poder criador. A velhice de teu corpo é pesada mas a alma jovem está por sair desse túmulo e te será dada, irmão meu, a revelação sublime do que tu tens pressentido. Fala a teus irmãos, sê ainda útil à humanidade. Estuda, pede a Deus a chave que abre a mansão faustosa de sua pura luz, penetra na abóbada dos esplendorosos astros e volta à Terra para dar-lhe a prova de teus novos descobrimentos.

A vós todos, homens pensadores e homens de ação, a vós, amigos meus, pertence-vos a admiração dos espíritos que vos precederam. A vós pertence-vos a força, o poder e a perseverança na palavra e nos pensamentos de regeneração.

Na manifestação da verdade, irmãos meus, é preciso prevenir-nos contra os excessos da indignação, para os quais pode arremessar-nos a lembrança do passado, e convém demonstrarmo-nos fortes perante o presente para fundar o porvir.

Eu dirijo a todos palavras de perdão e de consolo.

Deponde as armas e amai-vos uns aos outros. Um só laço existe para unir a humanidade inteira: é o amor. Não há mais que uma porta de saída da degradação: o arrependimento, e se na hora derradeira o arrependimento faz curvar a cabeça do culpado, a justiça de Deus, impregnada de sua misericórdia, inclina-se sobre essa cabeça.

A expiação das culpas é inevitável, mas o arrependimento do pecador tira à expiação o caráter ignominioso do castigo e o desespero da vergonha.

Irmãos meus, dou-vos a palavra de paz, dou-vos a promessa de vida e vos abençôo.

¹ Por elevado que seja um espírito, sua atuação sobre a Terra tem que ser forçosamente imperfeita e pobre, devendo limitar-se às possibilidades que lhe permitem o organismo que anima e o meio em que atua. A ele conseguem não obstante impor-se as potencialidades da alma, de acordo com a elevação alcançada por ela: porém há de ser à custa de uma luta tenaz, renovada pelo espírito em cada nova encarnação, defrontando as paixões resultantes das condições da vida animal em meio das quais tem que desenvolver-se, ligado como se encontra a todas as suas leis e contingências. Basta esta observação para avaliar-se a excepcional grandeza da personalidade de Jesus, ao vê-lo proceder, constantemente, dentro do mais completo domínio de si mesmo, com um desprendimento tal, com tal elevação de ideais e tão profundo amor para os homens, que nada semelhante pode supor-se. Unia, além disso, sua ação com uma admirável clarividência e uma perfeita consciência a respeito da marcha que seguia e de suas finalidades, repousando o todo sobre uma fé inquebrantável em Deus e no triunfo do que em seu nome pretendia levar a termo. — Nota do Sr. Rebaudi.

² Perante os homens independentes e sensatos é justamente a questão dos milagres o que desprestigia a personalidade de Jesus. Ainda que sejam eles ateus ou deístas não podem admitir nem ao menos a possibilidade da violação das leis da Natureza ou de Deus. Se as leis da Natureza são imutáveis, com mais razão devem sê-lo se as considerarmos como divinas, porque Deus não pode deixar de ser em suas obras o que é: perfeito e o perfeito não sofre modificações, não pode corrigir-se, não pode ser melhor do que é. Se as leis de Deus sofressem uma transgressão da parte dele mesmo, isto não podia ser senão no sentido do melhor, o que implicaria que a lei não era perfeita. Por outra parte o caráter da imutabilidade não pode separar-se jamais do da Divindade. Cientificamente considerada a questão, é completamente inadmissível o milagre, e o que se apresentasse como um fazedor de milagres não poderia senão ser considerado como um desprezível charlatão. Daí vem o grande dano que o assunto dos milagres causou a Jesus e daí vem também, sem dúvida, prescindindo da parte que lhe corresponde à modéstia, o esforço que ele faz para despojar de suas curas toda a idéia do maravilhoso, colocando-as ao nível do estritamente humano. Tal fato deve considerar-se como uma reação de parte do Mestre contra as patranhas milagreiras espalhadas, segundo parece, por seu discípulo João, na grandiosa atuação do fundador do Cristianismo. É bom advertir não obstante que tudo nos induz a crer que Jesus devia estar eminentemente dotado desses poderes psíquicos que é comum encontrarem-se nas pessoas cuja elevação de idéias e de sentimentos, assim como santidade de vida, as colocam nas condições de grandes iluminados e de santos, para valemo-nos de uma palavra já consagrada pelas religiões. Jesus era por outro lado um iniciado, como ele mesmo o diz. Tudo isto nos leva a crer que deviam encontrar-se ao seu alcance todos os segredos da magnetoterapia e do magnetismo transcendental e que com essas forças pôde produzir muitos dos chamados milagres que se lhe atribuem. — Nota do Sr. Rebaudi.

³ Diz o Evangelho, segundo S. Mateus: Tendo, porém, entrado em Cafarnaum, chegou-se a ele um centurião fazendo-lhe esta súplica, e dizendo: “Senhor, o meu criado jaz em casa doente de uma paralisia, padece muito com ela”. Respondeu-lhe então Jesus: “Eu irei, e o curarei”. E, respondendo, o centurião, disse: “Senhor, eu não sou digno de que entres na minha casa; porém manda-o só com a tua palavra, e o meu criado será salvo. Pois também eu sou homem sujeito a outro, que tenho soldados às minhas ordens, e digo a um: Vai acolá, e ele vai; e a outro: Vem cá e ele vem; e ao meu servo: Faze isto, e ele o faz”. E Jesus, ouvindo-o assim falar, admirou-se, e disse para os que o seguiam: “Em verdade vos afirmo que não achei tamanha fé em Israel. Digo-vos, porém, que virão muitos do Oriente e do Ocidente, e que se sentarão à mesa com Abraão, e com Isaac e Jacob no reino dos céus: Mas que os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes”. Então disse Jesus ao centurião: “Vai, e faça-se-te segundo tu creste. E naquela mesma hora ficou são o criado”. (S. Mateus, VIII, v. 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13.). E, tendo chegado Jesus à casa de Pedro, viu que a sogra dele estava de cama, e com febre; e tocou-lhe na mão, e a febre a deixou, e ela se levantou, e se pôs a servi-los. E sobre a tarde, porém, lhe puseram diante muitos endemoninhados: e ele com a sua palavra expelia os espíritos, e curou todos os enfermos”. (S. Mateus, cap. VIII, v. 14, 15 e 16.)
Como se vê, a forma sob que se apresenta aqui a Jesus é pouco correta. O modo do centurião expressar-se é pouco sensato e pouco respeitoso e a atitude de Jesus a seu respeito não é própria dele. Com razão, pois, protesta contra o papel de fazedor de milagres que se lhe quer fazer desempenhar. — Nota do Sr. Rebaudi.

4 Parece, em realidade, que Jesus não fazia uso geralmente da imposição das mãos, senão que dirigia o pensamento, o desejo, no sentido da cura. Por isso pode ele perfeitamente atribuir as curas a outras causas; à ação talvez de seres extracorpóreos. — Nota do Sr.Rebaudi.

5  Se bem conste assim no texto, sem embargo pareceria haver-se cometido um erro, porquanto o apóstolo Pedro é conhecido como Simão Cefas e seu irmão, como André, assim encontra-se nos Evangelhos. — Nota do Sr. Rebaudi.


6 Poderia talvez empregar-se a palavra careta em lugar de cara? Em todo o caso assim se encontra no texto. — Nota do Sr. Volpi.

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