Eu professo o maior respeito por
todas as opiniões sãs e especialmente pelas que tendem a cimentar a idéia do
bem, levantar a moral e a propiciar tudo aquilo que pode ser a base ou um meio
para elevar os espíritos acima da materialidade das coisas que de contínuo nos
rodeiam. Por isso cedi cheio de prazer às instâncias de muitos espiritualistas,
desejosos de conhecer a interessante VIDA DE JESUS que vai ler-se, traduzindo-a
do italiano para que possa ser publicada em nosso idioma pela Revista
Magnetológica, órgão da Sociedade Científica de Estudos Psíquicos.
Se bem que não se trate de um
trabalho científico, a Direção de dita revista julgou conveniente encarregar-se
da presente publicação em vista dos juízos unanimemente favoráveis que de todas
as partes lhe têm chegado a respeito da obra, cuja origem medianímica, por
outra parte, lhe dá mais uma perfeição especial, que não tem nenhuma outra
história de Jesus.
Um fato muito sugestivo se destaca
nela desde o princípio, fato que se adapta perfeitamente ao caráter
eminentemente modesto de Jesus, e é o de negar-lhe toda importância na questão dos milagres. Desde
logo, como tais milagres, o protagonista os nega rotundamente nesta sua história,
a qual não é muito do agrado de alguns fervorosos crentes, que estão
acostumados a ver no Mestre, não um homem senão um ser sobrenatural.
Eu só me permito observar-lhes que os
Evangelhos, que são os que a cada passo nos falam de tais milagres, foram escritos
por adeptos entusiastas, que não viram nem ouviram Jesus, ao passo que a
presente obra se diz escrita por ele mesmo. É fácil compreender neste caso que
o autor não podia exibir-se a si mesmo com os contornos eminentemente
pretensiosos, que resultariam se ele falasse de sua atuação, como se refere que
falaram os evangelistas.²
Quero dizer que não podia
expressar-se de sua própria pessoa, como podiam fazê-lo seus adeptos ao
referir-se a ele.
Sem dúvida alguma a questão dos
milagres está intimamente ligada à tradição cristã e forma parte integrante do que
as igrejas Católica e Protestante entendem ser a vida de Jesus. Os modernos
espiritualistas por seu lado nos afirmam que todos os grandes iniciados, pela
própria natureza da missão que vieram desempenhar, se viram sempre dotados de
poderes psíquicos especiais, dando lugar com freqüência ao que o vulgo chama milagres.
Eu nada tenho a dizer sobre este particular, pois não possuo provas para afirmar ou negar os fenômenos psíquicos
que sob o nome de
milagres são atribuídos a Jesus; só posso dizer que muitos deles são
explicáveis de acordo com os conhecimentos que já temos das ciências
psíquicas e que outros não o são.
De todos os modos, a personalidade de
Jesus, ainda sem dar-lhe a importância que lhe atribuem os espiritistas, é altamente
simpática e para muitos encarna a idéia de moral e a de religião.
Por minha parte, como dizia ao
começar, respeito todas as opiniões e no caso presente me limito ao simples
papel de tradutor. O leitor formará sua opinião do modo que lhe pareça mais
ajustada à verdade; o que creio verdadeiramente é que todo aquele que se
interesse pela personalidade de Jesus, deve ler esta obra.
OVÍDIO REBAUDI
¹ Da versão espanhola.
² É sabido que os
Evangelhos não foram escritos pelos evangelistas, e é por isso que se diz:
Evangelho segundo São Marcos, segundo São Mateus, segundo São João, e não Evangelho
de São Marcos, ou escritos por São Marcos etc. Os Evangelhos, pois, foram escritos
muito depois da morte de Jesus, quando não existia há muito tempo nenhuma testemunha
ocular ou ouvinte das obras e pregações do Mestre. Portanto, esses escritos não
representam mais que a tradição corrente da época em que foram efetuados,
resultando deste fato que se os Evangelhos se multiplicaram de acordo com o
número de escritores que se encarregaram de recolher dita tradição chegando a
conhecer-se mais de quarenta, até que a Igreja selecionou dentre eles os quatro
que melhor lhe convieram ou entre os que encontrou maior harmonia. Em
realidade, em fins do século primeiro da era cristã não existia nada que nos
autorize a crer que a palavra Evangelho se usasse em seu sentido atual e não
havia coleção alguma que se parecesse ao nosso Novo Testamento. Mais tarde, em meados
do século segundo, se menciona algo sob a designação de Memórias dos Apóstolos,
porém sem que constituíssem um cânon, e, em fins do mesmo, se encontra a Santa
Escritura Cristã, porém não bem definida ainda e diferente dos nossos atuais Evangelhos,
porquanto variava em cada igreja e de acordo com cada doutor. Mais tarde, no século
terceiro, se classificaram e aceitaram os recepti in Ecclesiam (recebidos na
Igreja), sem que chegassem ainda à forma do Novo Testamento, até que no
primeiro concílio de Nicéia (ano 325 da nossa era) se menciona, sem
sancioná-la, uma coleção patrocinada por
Atanásio, que depois
foi adotada pela Igreja do Ocidente no século quinto. Como se vê, pois, os
Evangelhos não têm nenhum valor histórico, nem de autenticidade; não podem servir
portanto para combater a autenticidade da presente história. Convém melhor
estudar a curiosa relação que se descobre entre algumas passagens pouco
explícitas daqueles e a maior clareza que se encontra nesta, como o faz
observar Ernesto Volpi. Como obra autêntica, unicamente as epístolas de São
Paulo pode oferecer-nos o Cristianismo e bem merece nos conformemos com isto,
pela autoridade indiscutível do autor e pelo testemunho que nos dá de ter visto
e falado muitas vezes com Pedro e com Tiago, “irmão do Senhor”, em duas viagens
que realizou a Jerusalém, com uns quinze dias de estadia cada vez...
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