Passa já da hora o vosso despertar espiritual . . . Saiba que a tua verdadeira pátria é no mundo espiritual . . . Teu objetivo aqui é adquirir luzes e bênçãos para que possas iluminar teus caminhos quando deixares esta dimensão, ascender e não ficar em trevas neste mundo de ilusão . . .   Muita Paz Saúde Luz e Amor . . . meu irmão . . . minha irmã

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

INTRODUÇÃO À EDIÇÃO CASTELHANA - Livro: Vida de Jesus ditada por Ele mesmo


   Havia formado o propósito de não dizer uma palavra sequer referente a esta obra, cuja tradução empreendi com verdadeiro tédio, somente cedendo aos numerosos e contínuos pedidos dos assinantes da Revista Magnetológica e de outros amigos; porém confesso que bem depressa mudei de modo de pensar a seu respeito, como o demonstram as numerosas notas que lhe fui agregando, e ao terminá-la neste momento, sinto uma verdadeira necessidade de quebrar, mais resolutamente do que fizera com as notas, minha primitiva resolução e abster-me de todo comentário e de omitir qualquer introdução à edição castelhana. É um dever de sinceridade que veio impor-se de certa maneira, e como a sinceridade é uma virtude inerente a todo espírito evoluído, eu sempre quis começar por ela para chegar a sê-lo algum dia.
       Não pouca relutância me custa realmente ocupar-me do assunto, não tão-somente da obra, na forma em que vou fazê-la, ainda que omitindo a maior parte do que poderia e teria que dizer, se o espaço nos permite, pois não deixo de abrigar meus temores com respeito à maneira como julgarão minha profissão de fé alguns dos leitores, pouco preparados ainda para os assuntos do Moderno Espiritualismo, como é natural supô-lo, quando se trata de coisas recentemente postas em ordem do dia.¹
      É verdade que muitos ainda vêem com olhos assustadiços e muitos com incredulidade ou falta de compreensão, tudo o que se refere ao fenomenismo medianímico, com o qual justamente se relaciona uma boa parte do que vou dizer. Mas, como se trata de fatos, meu único papel é referi-los com clareza e simplicidade.
     Direi, antes, que, como espiritualista independente, não estou preso a nenhum credo ou religião, aceitando o que me parece justo e verdadeiro, de onde quer que ele venha. Assim com respeito ao Cristianismo mais uma objeção havia alimentado em meu espírito e muito pobre conceito me havia merecido seu fundador. Concedia-lhe quando muito o título de um ignorante e fanático iluminado, sustentando contínuas polêmicas a respeito, na Sociedade Constância e particularmente com seus ilustrados Presidente e Vice, senhores Cosme Marinho e Felipe Senilhosa, que me honravam com sua amizade e confiança.
  Dizia-lhes, entre outros muitos argumentos. Aceitando do completamente vossas teorias com respeito aos seres encarregados de uma missão sobre a Terra, não é admissível que a Inteligência Suprema escolhesse a bárbara e atrasada Judéia como ponto de partida para a implantação de novas doutrinas, mediante uma nova revelação, se é que as chamadas revelações² têm tido lugar alguma vez. Não é admissível, portanto, a aparição de um Jesus, tal como o pintam, e sempre aceitando a teoria dos enviados, no meio de um ambiente como o hebreu, que nenhum prestígio tinha no mundo civilizado, nem por seu poder militar, nem por seu comércio e riquezas, nem pelas indústrias, artes, letras e ciências.
       Roma dominava o mundo por seu poder e Atenas por sua cultura; qualquer dessas duas cidades houvera podido servir vantajosamente como centro de irradiação para as novas idéias e não se pode supor em uma inteligência superior, como seja a de Deus, tanta falta de tino como colocar seu enviado em meio de um povo pobre, atrasado e vencido, em lugar de aproveitar-se das vantagens que lhe resultariam da supremacia de Roma ou Atenas.
   A atuação de Jesus teve tão pouca ressonância, que ne-nhum escritor se ocupou dela, a não ser o historiador hebreu Josepho, que só a ele se refere de passagem, e ainda isto mesmo se crê que ela representa uma interpelação alheia ao autor. A Vida de Jesus, as profecias que a anunciaram, seu nascimento de uma virgem por obra do Espírito Santo, a morte dos inocentes, sua pregação, seus milagres, até mesmo a transfiguração, tudo é uma cópia dos Vedas, da vida e atuação de Krishna, a segunda pessoa da trindade budista.
      Finalmente, depois de ajuntar e ampliar os argumentos dos autores contrários a Cristo, terminava sempre, em minhas discussões íntimas, por classificar de vagabundo a Jesus, por não ter domicílio nem meio de vida conhecidos. Expondo tudo isto com singela precisão porque se ligam com ele umas alucinações sumamente curiosas que, em verdade, não deixaram de impressionar-me profundamente. Vou referi-las sem mais delongas, com o objetivo de abreviar. Casualmente havia tido com alguns amigos uma conversação referente a questões filosóficas, a qual havia terminado com pareceres diversos a respeito do Cristianismo e
com minha opinião desfavorável para com Jesus; havia regressado bastante tarde a minha casa e, momentos depois de me haver deitado, vi ao lado de minha cama uma pessoa de pé, olhando-me ternamente porém com fixidez. Sua figura e sua vestimenta eram as do próprio Jesus, tal como nos acostumaram a ver nas pinturas e esculturas. Porém era tal a superioridade e doçura de sua expressão, era tal sua idealidade, que não somente eu nunca tinha visto nada parecido, como nem sequer imaginado. Sentia-me ao
mesmo tempo envolvido por uma aura tão suave, que se apoderou de mim num bem-estar indizível. Sentia-me penetrado, diremos assim, pelo pensamento desse ser superior, e tinha a sensação de que todos os meus pensamentos se encontravam a descoberto, claramente revelados, desnudos, diante de seus ternos olhares.
   — Que pensas tu de mim? Perguntou-me com voz e aspecto graves, porém carinhoso.
      — Que foste um vagabundo,3 respondi maquinalmente.
      — Sei que assim pensas, disse com suavidade.
    Em seguida, já completamente senhor de mim mesmo, lhe per-guntei por minha vez com veemência:
      — Porém, dize-me: Tiveste realmente consciência de que desem-penhavas uma missão e de que eras um enviado?
      Respondeu-me, sem falar, movendo a cabeça três vezes em sinal de confirmação.
      — Porém, em meio das contradições e da malevolência que te rodeavam, continuavas julgando-te com inteira segurança?
        Igual resposta.
        — Sabias que ias morrer e aceitavas a morte em apoio de tuas doutrinas com verdadeira consciência do que fazias?
         Novamente a mesma resposta.
        — E agora, depois de vinte séculos de tua pregação, vendo que os homens não se emendam, não se apartam de suas discórdias e maldades, segues com as mesmas idéias?
     Movendo uma vez mais a cabeça em forma afirmativa e apon-tando o céu com o indicador, disse: Só pelo amor será salvo o homem.
     Desapareceu a visão ou alucinação, deixando-me na mais pro-funda perplexidade, sem mover-me e sem saber a que atinar durante largo tempo.
       O fato não tornou a repetir-se, porém, ao decorrer um ano talvez, experimentei uma alucinação auditiva, relacionada com o mesmo Jesus.
     Encontrava-me no Paraguai, terminando uma carta dirigida ao Professor García, então Diretor da Revista Magnetológica, na qual me declarava vencido afinal pelas instâncias que se me faziam para a tradução da Vida de Jesus e pensava a razão por que teria que ser precisamente eu o tradutor de dita obra, tais eram as insistências com que desde muito tempo se me assediava para esse trabalho, quando ouvi distintamente estas palavras: Foste o escolhido por tua sinceridade.
        A voz era perfeitamente humana. Voltei-me rapidamente para ver quem falava, sem pensar que se tratava da resposta a uma reflexão mental minha, o que demonstrava imediatamente não se tratar de um fato normal.4 
        Efetivamente não descobri ninguém.
      Mas devo uma explicação a respeito dos repetidos pedidos no sentido deste trabalho, que, como já disse, eu não estava disposto a empreender, havendo-me negado sempre a ele.
      Haviam decorrido uns cinco anos mais ou menos, da data em que, encontrando-me na Redação de La Fraternidad, me dissera seu Diretor, ao mesmo tempo que mostrava-me um livro de capa cor de tijolo: “Aqui tem uma obra medianímica que está fazendo muito ruído, é a VIDA DE JESUS, DITADA POR ELE MESMO. Todas as revistas se têm ocupado dela, dedicando-lhe entusiásticos elogios. Seria sumamente útil que você a traduzisse”.
        — Por que eu? Já sabe o pouco amigo que sou destas coisas. Tenho muito de que ocupar-me e que considero de maior utilidade”.
      Meses depois encontrei a mesma obra sobre a mesa da Re-dação de Constância e o Administrador, que me viu olhando o livro longe, perguntou-me se a conhecia e se me animaria a traduzi-la para o castelhano, pois contavam-se em grande número os interessados. Respondi na mesma forma que o havia feito anteriormente e como outras pessoas insistissem em aconselhar-me a empresa, manifestei a opinião de que ela talvez se tornasse causa de prejuízos maiores que de utilidade.
    Mais tarde o Senhor Ferraro, Secretário da Federação Es-piritualista, apresentou-se-me com o mesmo exemplar (o que não era de estranhar porque a Federação celebra suas reuniões no mesmo local de La Fraternidad), e elogiando a obra, me fez ver também a conveniência de sua tradução, com resultados idênticos aos casos anteriores.
      Certa ocasião, estando de visita em casa do Dr. Cosme Mari-nho, pai, deparei com o mesmo exemplar sobre sua escrivaninha. Falou-me ele também muito favoravelmente da tal VIDA, pelo que dela havia ouvido falar e por ter encontrado passagens notáveis ao folheá-la, e me perguntou se eu não achava conveniente sua tradução.
       Insisti na mesma resposta, acrescentando que parecia não ha-ver mais que esse exemplar em Buenos Aires, pois era sempre o mesmo o que caía sob meus olhos, como se me fosse perseguindo,
talvez pelo muito amigo que era eu de Jesus.
        — Havia-me esquecido, disse o Dr. Marinho, que o senhor nada quer saber de Jesus, porém está laborando em um grande erro, porquanto a idéia religiosa está intimamente ligada à personalidade do Cristo no Ocidente e unicamente sob o prestígio de seu nome há de evoluir a moral entre nós. Ademais, a nova revelação tem agora seu lugar dentro do Cristianismo.
     — Eu jamais lhe contestei, fiz derramar uma lágrima a um se-melhante meu, nem mesmo entre os meus companheiros sendo menino, pois sempre estive completamente alheio às disputas de rapazes; jamais cometi tampouco a menor injustiça, consciente do
ato que ia praticar, e tenho feito todo o bem ao meu alcance, ainda que prejudicando-me, como tem acontecido muitas vezes, não obstante este meu viver, nem sou cristão nem quero saber nada do Cristianismo, e se o Cristianismo jamais houvera existido, nem por isso a moral e o sentimento religiosos haveriam deixado de participar do progresso geral do mundo.5
     O Dr. Marinho manifestou sua discordância com argumentos e citações muito felizes, mas que não me convenceram.
      Foi algum tempo depois desta conversação com o Dr.Marinho que teve lugar a estranha alucinação da aparição de Jesus, à qual, diga-se a verdade, coube o poder de mudar radicalmente meu modo de considerá-lo a ele e à sua obra.
       Tive que transportar-me mais tarde para o Paraguai, buscando em seu benéfico clima e formosa natureza um remédio para minha abalada saúde, o que tive a sorte de encontrar, conseguindo uma notável, quase radical, melhora.
     Foi então quando recebi carta do Diretor da Revista Magne-tológica, dizendo-me que havia se tornado mais intenso o entusiasmo pela Vida de Jesus, e que a seu ver eu devia satisfazer o desejo de muitos bons assinantes. Que afortunadamente tinha em seu poder um exemplar em italiano, que lhe emprestara o Senhor Ezequiel Mazzini; este também indicando a conveniência da tradução, e que com esse objetivo tinha lido a obra, ficando encantado com ela e completamente seduzido por seu estilo e por seu conteúdo. A obra se impõe realmente ao espírito do leitor e se não foi Jesus quem a escreveu, ou ditou, deve ser outra pessoa igual a ele, como se fora ele, tal é a influência que ela exerce no ânimo dos que a lêem; assim, mais ou menos, me escreveu.
       Minha resposta foi negativa, porém pouco categórica, e com o recebimento de novas cartas, mais fracas ainda se tornaram as negativas, até que me foi remetido o exemplar prometido, que outro não era senão o que eu já havia visto nas diversas ocasiões a que me tenho referido. Este detalhe também me impressionou, embora nada de estranho tivesse em verdade, porquanto me parece não existia outro exemplar em Buenos Aires.
       O que realmente é estranho, e que mais do que tudo merece chamar a atenção, é o fato, que a muitos tenho referido, da paralisação que experimentava na mão toda vez que, ao traduzir alguma passagem que se me deparava difícil, pretendia introduzir modificações na frase. Devia, pois, restringir-me o mais possível à letra do original, porquanto se me tornava humanamente impossível o escrever com alterações, a menos que se tratasse de alguma modificação de simples palavras forçosamente impostas pelas diferenças do idioma; porquanto a mão não obedecia já a minha vontade, e se, fazendo um esforço, lograva introduzir alguma ligeira modificação, a mesma mão, arrastada por uma força irresistível, riscava as palavras acrescentadas ou substituídas.
    Penso ser um dever de consciência referir este fato, que con-sidero de uma importância transcendente, porquanto devido a ele, a tradução resultou de uma extraordinária exatidão, e também porque o caráter misterioso que presidiu o processo da tradução em si mesma, feita por quem menos que nenhum outro houvera parecido ser o designado para este trabalho, veio a acentuar-se muito mais ainda devido a tal fenômeno.
      Trata-se realmente de fatos anormais, tanto neste caso como nos dois anteriores, fatos cuja referência não me há de favorecer perante a opinião pública, pela falta geral de conhecimentos das matérias que se relacionam ao medianismo.
      Bem sei, salvo casos especiais, o escritor deve manifestar-se sempre de acordo com a cor e grau de intelectualidade de seus leitores, sem adiantar-se imprudentemente à época em que se encontra6 e ao nível geral da inteligência, sob pena de cair vítima do desequilíbrio em que viriam a ficar reciprocamente colocados, um com respeito aos outros; porém sei também que é grave erro o de manter-se sempre dentro da rotina dessas idéias velhas, tão-somente pelo temor egoísta de comprometer sua própria reputação de homem ponderado e de reflexão madura, pelo qual os espíritos conservadores imaginam ser distinguidos pelas maiorias.
   O justo e lógico seria que, sem dar saltos, imprimindo es-tremecimentos bruscos à tranqüila superfície das águas da intelectualidade geral, procurasse cada um provocar um pequeno movimento de avanço ao conjunto das idéias e do pensamento das massas, colaborando pessoalmente assim todo o que escreve, na grande obra do progresso humano, em lugar de contribuir para a paralisação das faculdades superiores do espírito.       Devido a tal crença é que me animei a apresentar as manife-stações sinceras que deixei acima, com respeito ao que me sucedeu no terreno do fenomenismo medianímico e que designei como casos de alucinação, por falta de controle, único que, estabelecido com rigor, teria podido conduzir-me ao estudo de ditos fenômenos, como de alguma coisa realmente objetiva.
      Apesar disso, a mesma índole dessas alucinações e o momento em que tiveram lugar, são de natureza como que para dar algum prestígio ao protagonista da obra que eu haveria de traduzir mais tarde, e à própria obra, arrastando-me de alguma maneira para o sentido religioso de seu conteúdo.
       Já que tratamos deste ponto, Vou permitir-me também relatar o que em igual sentido sucedeu com a distinta Senhora Maria Z. De Brignardello, membro ativo da Sociedade Constância Encontrava-me algo adiantado na tradução da VIDA DE JESUS, quando esta senhora veio em visita a minha esposa.
      Julgando-a sabedora do trabalho que estava executando, falei-lhe
dele e do entusiasmo geral, manifestado por uma infinidade de cartas, que todos os dias vinha recebendo.
      Fui informado que a senhora, não recebendo por aquele tempo a Revista Magnetológica, tudo ignorava sobre este particular, e com o propósito de bem inteirá-la sobre o assunto, li para que ela ouvisse o belo prólogo do Capitão Volpi, e diversos outros fragmentos, entre os quais se encontrava o retrato que Jesus traçara de si mesmo. Ao ler esta parte notei que a senhora a escutava com manifesta contrariedade.
      Manifestou-me, sem embargo, a boa impressão geral que a leitura do trabalho tinha produzido em seu espírito, e se retirou levando consigo o que lhe entreguei da tradução.
    Alguns dias depois fomos, minha senhora e eu, à sua casa em retribuição à visita que nos fizera, e me recebeu dizendo-me:
   “Estava ansiosa por encontrá-lo para referir-lhe um fato ex-traordinário que me sucedeu fora de toda a expectativa de minha parte”. Eu tinha lido a descrição do retrato de Jesus, prosseguiu, em uma obra que tratava dele e que muito me havia agradado, aceitando como absolutamente exato o que a seu respeito na mesma se dizia. Quando ouvi depois o que o senhor me leu com referência ao físico do Mestre, me impressionou muito desagradavelmente a assinalada diferença resultante da comparação que fiz dos dois retratos: o que eu conhecia anteriormente e tinha por certo e o da leitura que me proporcionou. Calei-me não obstante, dizendo para comigo mesma: talvez eu não tenha ouvido bem.
        Na mesma noite, logo que cheguei à minha casa e me dispus a deitar-me, resolvi antes tornar a ler o retrato. Sua leitura veio confirmar o meu juízo primitivo, causando-me verdadeiro dissabor o que, sem mais demoras, considerei uma inaudita mistificação.
      Deitei-me sob essa desagradável impressão, depois de haver aceso, como de costume, a lamparina da noite.
     Havia-me deitado há poucos instantes, quando, fixando meu olhar em um quadro de Jesus que tenho em frente ao meu leito, me pareceu que o retrato movia os olhos, olhei com redobrada atenção e o fato tornou-se-me real; os olhos se moviam sem dúvida alguma e me olhavam com uma expressão tão delicada e tão suave, que eu não posso definir.
       Via ao mesmo tempo a imagem que se ia engrandecendo e des-tacando-se do quadro, aos poucos ia tomando corpo e assumindo vagarosamente os caracteres da realidade. A dúvida não era possível, a evidência estava ali diante de meus olhos.          
      E já não eram tão-somente os olhos, senão o rosto todo e de-pois o corpo inteiro, que se via claramente no centro de uma luz diáfana, tenuemente azulada, que a este tempo tinha inundado todo o
aposento. No centro deste clarão divisava-se nitidamente uma pessoa, e esta era a pessoa de Jesus toda inteira, cobrindo naturalmente o quadro, que desapareceu por detrás de tão inesperada como portentosa visão; o Mestre se deslocou lentamente para o meu lado, como que deslizando, sem tocar o solo.
       A luz que rodeava, com uma claridade realmente celestial, a pes-soa de Jesus, me permitiu ver com precisão a sua fisionomia,sem igual por sua beleza e pelo idealismo de suas expressões. Os seus traços, a cor de seus olhos, tudo correspondia em seus menores detalhes com os do retrato que o livro, que ele ditou, fazia do Mestre.
     A visão permaneceu alguns instantes diante de mim e durante todo esse tempo, e depois de seu desaparecimento, me senti inteiramente envolvida e penetrada por uma atmosfera salutar, tão tênue e tão suave, que nada que com ela se parecesse havia eu jamais percebido, nem sequer imaginado. Produziu-me aquilo um místico arroubamento que me sinto incapaz de descrever.
     Desvanecida a aparição, continuei sentindo-me como que do-cemente dominada por esses benéficos eflúvios que se tinham
desprendido do espírito que me aparecera, e que produziram em mim um bem-estar até então desconhecido, e adormeci como que possuída por um sentimento de devoção, sob a impressão de que realmente tinha sido o próprio Jesus, quem se apresentara em pessoa para testemunhar a exatidão do retrato, que ele nos faz de si mesmo nesta sua história e para dar ao mesmo tempo à obra todo o cunho de veracidade que se pode deduzir de tão extraordinário
fenômeno, produzido em seu favor.7
  Este comovedor acontecimento deixou-me profundamen-te convencida que a VIDA DE JESUS, DITADA POR ELE MESMO, é realmente verídica.
       Convém recordar que a Senhora Brignardello se havia retirado de minha casa levando um conceito desfavorável para com o novo retrato de Jesus e que essa má disposição se tornou extensiva a todo o livro quando, relendo-o já em sua casa, disse: isto é mistificação. Recolheu-se, pois, a seu aposento com essa impressão e foi sob a mesma que teve lugar o fenômeno, sob todo ponto inesperado.
      O mais curioso é que estas aparições, as chamaremos assim, se repetiram com diversas outras pessoas, freqüentemente, durante o sono, porém outras vezes durante a vigília, com pessoas reciprocamente desconhecidas e que nessas ocasiões ficaram surpreendidas pela manifestação, como no caso acontecido à Senhora de Brignardello, por não terem antecedentes de nenhuma espécie a respeito e resultar-lhes completamente inesperado o fato.
    Porém eu só refiro a que antecede para evitar as que se tor-nariam inúteis repetições, pois, salvo variantes de detalhe, todas elas se parecem. Como quer que seja, se vê claramente do que ficou atrás, assim como do que vem relatado no belo prólogo da tradução italiana, e do conteúdo e estilo da própria obra, se vê de tudo isto alguma coisa como que o advento de uma era nova de labor
cristão, como se o Mestre, reassumindo a direção, tome o lugar que de direito lhe pertence como encaminhador do intenso movimento espiritualista que se evidencia em todas as partes há pouco mais de meio século.
   A moral e o sentimento religioso nada são fora da idéia espi-ritualista, única que lhes empresta verdadeiro apoio, depois de lhes haver dado a existência, senão que ela deve ajustar-se severamente à verdade para possuir valor efetivo em si mesma. Se a idéia espiritualista, para defender os foros de sua tradição, se declarasse contrária às verdades que vão descobrindo-se com o progresso das ciências, como sucede com o espiritualismo inculcado pelas religiões e com o ensinado pela filosofia clássica, perderia todo o seu prestígio, porque a verdade nunca pode ser contrária à verdade.
    Esta VIDA DE JESUS vem prestar um importantíssimo serviço neste sentido, deixando de lado, como não existentes, muitos acontecimentos que tornavam inaceitável, para a maior parte dos estudiosos, a pessoa do Cristo, devolvendo-a assim à realidade precisamente no momento em que se fazem os maiores esforços para relegá-la à categoria das lendas.
      Ganha deste modo a verdade e ganham principalmente a moral e o sentimento religioso, que se fundamentam e sempre devem fundamentar-se nela.
     Certos indivíduos costumam estabelecer uma separação profunda entre o ideal e o real. Assim procedem porque ignoram que geralmente há maior realidade no que não se vê, do que naquilo que se vê, pois no desconhecido se encerra todo um infinito de realidade, ao passo que nossos cinco pobres sentidos só nos põem em relação com uma parte ínfima do que existe; a outra grande parte é para nós como se não existisse. Conformemo-nos entretanto com o que temos alcançado e com o que paulatinamente vamos alcançando, demonstrando-nos, sobretudo, sempre sinceros, dispostos a aceitar o verdadeiro, venha ele de onde vier.
     Convém recordar aqui que se deve ao progresso das ciências, até agora em luta constante com todas as religiões, o grande passo dado para a frente pela Humanidade. É a esse progresso que se deve o rompimento das cadeias que tinham estreitamente acorrentado o pensamento do homem a preocupações retrógradas e a doutrinas perversas, que chegaram a santificar os crimes mais horrendos da INQUISIÇÃO e a inundar o mundo inteiro em rios de sangue, com suas intrigas religiosas na Europa, com as cruzadas na Ásia e com a conquista na América.
       Mas uma coisa é o sentimento religioso e a moral e outra coisa são as religiões. Esforçam-se justamente a moral e o sentimento religioso por dirigir por caminho reto a mentalidade humana elevando-a acima dos atavismos de nossa origem bestial.
       Não culpemos portanto a coisa alguma e a ninguém do que somente é fruto de nossas baixas paixões. Deixemos esse passado de opróbrios, e olhemos frente a frente, impondo a nós mesmos, como dogma essencial de nossas crenças, a obrigação estrita de fazer cada um quanto esteja ao seu alcance em favor da dignificação humana, mediante a cultura da inteligência, a elevação do caráter e o brilho de novos e alevantados sentimentos.8

                                                                            OVÍDIO REBAUDI


¹ Não me refiro naturalmente aos que se sentem refratários a tudo o que não se relaciona com a ordem exclusivamente material das coisas (que são os verdadeiros materialistas e que também não poderiam deixar de sê-lo, por deficiência de evolução cerebral neste sentido). Há materialistas que o são por convencimento e não por convicção, devido a que o estudo e a análise dos fatos os convenceram da falta de fundamento do espiritualismo que se lhes havia ensinado. Não é destes que eu falo, pois são em geral os mais bem dispostos para o estudo do Moderno Espiritualismo. — Nota do Sr. Rebaudi.

² Nós os modernos-espiritualistas cremos na estrita solidariedade entre o mundo corporal e o extracorporal, do qual resultam revelações permanentes da verdade, mediante o progresso, que nos torna capazes de sua percepção e compreensão cada vez mais completa.   Essas revelações, de preferência, que se singularizam em determinados povos, favorecendo as divisões entre os homens, não são críveis, ainda que aceitando a teoria religiosa. As religiões têm sido sempre uma da causas permanentes das discórdias humanas e não é possível atribuir esse papel à revelação divina, na qual todas elas dizem basearem-se. O que se observa é que os indivíduos como os povos marcham para a perfeição por seus próprios méritos e por seus próprios esforços. — Nota do Sr. Rebaudi.

³ Essa era na realidade minha idéia e eu manifestei-a maquinalmente; quase pode dizer-se que se manifestou por si mesma ao ver-se meus pensamentos completamente a descoberto.

4 Nos dois casos, porém, mormente no primeiro, o fenômeno alucinatório me tomou realmente de surpresa, porquanto nenhum antecedente interveio para a sua produção: nada, nem remotamente parecido, havia passado por minha imaginação e nada pode haver-se apresentado nunca com maior espontaneidade. Sem dúvida alguma não houve nisto possibilidade de controle; por isso designo o caso como alucinatório, confessando não obstante que ele influiu em mim como se se tratasse de fatos reais.

5 Refiro tudo isto, que por si só carece de importância, para demonstrar o estado de meu espírito antes da manifestação que tanto me impressionou, por mais que ela não tivesse
parecido relacionar-se com a Vida de Jesus.

6 Sem ser espírita, ou coisa parecida (já disse que não pertenço a nenhuma escola determinada) compreendo que o mesmo se encontra fora do alcance da generalidade dos homens. Como doutrina moral, não sendo outra coisa que o próprio Cristianismo, seus preceitos são claros e simples, embora moralmente superiores a sua execução na prática por parte dos adeptos; porém o lado filosófico é já mais difícil, sendo a chamada Teosofia uma prova das complicações que podem resultar de seu estudo. A inventiva teosófica, efetivamente, chega até a dotar a alma de um corpo de desejos e que se organiza de maneira como que para constituir dentro de um regime centenário todo o desenvolvimento de suas teorias, demonstra como é fácil desviar-se quando se abandona o terreno positivo para lançar-se no campo das divagações filosóficas. O verdadeiro é o positivo, o que de alguma maneira constitui uma realidade. A Teosofia despreza o fenomenismo, adiantando em troca afirmações, não abonadas por fatos, sobre estas afirmações levanta um edifício, que tanto mais se distancia da verdade quanto mais se eleva. A Teosofia é, pois, um desvio místico do Espiritismo teórico.

7 Se supomos que estas alucinações têm uma causa consciente que se encarregara de fazer
ressaltar o valor da VIDA DE JESUS, temos de convir que o objetivo foi alcançado. A única coisa, sem embargo, que nos conduz a essa suposição e o próprio resultado das alucinações que, se quiséssemos catalogá-las como VERÍDICAS, nos encontraríamos diante da absoluta falta de controle. A única coisa que poderíamos dizer, é que existe um acúmulo de circunstâncias, que devido a raras coincidências, todas elas se ajuntam para dar valor à obra e comunicar-lhe um caráter de elevado misticismo. A Sociedade Real de Ciências, de Londres, fez reunir e estudou uma grande quantidade de fenômenos de alucinações verídicas e merece sobretudo ler-se a obra, que justamente com o título de Alucinações Telepáticas, publicou a Comissão formada na douta associação, constituída especialmente pelos senhores Turney, Myers e Padmore. Porém tudo isso se refere a questões complicadas das quais não podemos tratar assim em passagem rápida.

8  Este prólogo foi escrito sem ter à vista as Duas Palavras do tradutor que se encontram
mais adiante e que, publicadas dois anos antes, foram em verdade por mim esquecidas,
devido aos dolorosos contratempos da revolução do Paraguai, onde me encontrava então,
em julho de 1908, voltando a sofrer minha saúde graves transtornos que me obrigaram a
regressar a Buenos Aires. Os dois escritos refletem o meu modo de pensar, em dois
momentos diferentes; eles se completam; entretanto, se os houvera recordado, um dos dois
não teria aparecido. Que sejam tomados em conta do imprevisto e involuntário, casos como
este que forem aparecendo na publicação desta obra. — O. R.







Nenhum comentário:

Postar um comentário